Politica
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O LIMBO
GAUDÊNCIO TORQUATO.
No Além, há quatro universos: céu, purgatório, inferno e limbo. É o que prega a Igreja Católica. Fiquemos neste último. O limbo é “a fronteira do inferno”, o lugar de almas que não merecem subir ao céu. E que, segundo a Igreja de Roma, também não são condenadas a padecer o fogo do inferno. O conceito original se voltava para crianças não batizadas, designadas de pagãs.Usando o simbolismo, puxemos a ideia para o campo da política. O governo de Jair Bolsonaro não é criança pagã, mas sua índole, sua identidade, seu modus operandi nos fazem pensar que ele está no limbo, na fronteira com o inferno, haja visto o estrago que tem feito ao tecido institucional.
Que estrago, indagam alguns? O afrontamento à Corte Suprema, em desafio aberto ao Poder Judiciário, o patrocínio de Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que possibilitará o montante de mais de R$ 40 bilhões para cooptar votos, a intervenção na Petrobras, entre outras ações arbitrárias. O argumento é de que os mais pobres carecem de proteção, daí a mão forte do Estado na costura do cobertor social, a diminuição do preço de combustíveis, o combate ao STF por “judicializar” as políticas públicas, entre outras ações.
O presidente Jair, com sua verve prolífera, põe lenha na fogueira nacional, que tende a causar mais e mais estragos. Parece querer acender o pavio do caos, preparando terreno para eventual intervenção, algo como um golpe. A depender do resultado das eleições de 2 de outubro.
O governo é um ente à procura de um rumo. Sem ideias, ou melhor, com uma única ideia: desenhar o ambiente social e político para permitir que o presidente se reeleja. Para tanto, o pacotão de bondades(?) foi para o colo do Centrão, mobilizando partidos de todo o espectro ideológico para aprovar a PEC Kamikaze (suicida por furar o teto de gastos).
Qual é o eixo que movimenta a engrenagem governativa? Qual é a política de desenvolvimento? Inexiste. Lembrando. Fernando Henrique garantiu dois mandatos montado no cavalo da estabilidade econômica e amparado em reformas fundamentais no aparelho do Estado, cujos efeitos positivos foram se esgarçando ante a emergência de novas expectativas sociais.
Lula da Silva e seu PT chegaram ao centro do poder, depois de costurar por décadas e com muita intransigência os fios de seus particularismos. Aí chegando, embriagados com o sumo do poder, na esteira da verticalização de cargos no governo (coisa que o próprio presidente Lula chegou a reconhecer), desfizeram os traços que davam nitidez a seus perfis, particularmente no que diz respeito à bandeira ética, brandida nos palcos iluminados da política.
As oposições intensificaram uma locução de teor crítico cujo fundamento era menos um escopo programático e mais o comportamento de atores principais e secundários do palco governamental. O embate de uns contra outros.
Trata-se de uma disputa de rua. São tempos do “embaciamento” do jogo político, ou, como denomina Roger-Gérard Schwartzenberg, uma “uniformização no cinzento”. O posicionamento dos partidos numa zona descolorida, no grande arco central da sociedade, está a demonstrar alto grau de flexibilização, um pragmatismo voltado para resultados.
Cada vez mais assemelhados, partidos e líderes estão menos preocupados em trabalhar no campo das ideias e mais interessados em conquistar o “poder pelo poder”.
Parcela do Parlamento substitui os horizontes abertos do desenvolvimento pela visão imediata e ligeira de investigações, agora sob a égide de CPIs.
Quem tem ideia, por exemplo, do que pensam os maiores partidos, como União Brasil, PP, PSD, PL, PSDB, MDB, a respeito de um projeto para o país? Do PT, sabemos que se desloca para o centro, ocupando flancos da socialdemocracia. É a estratégia de Lula para ganhar maiores contingentes eleitorais.
No fundo, a intenção visível de fortalecer o “centralismo democrático” significa o resgate do Estado gordo, com as funções de intervir fortemente no mercado, calibrar e monitorar os fluxos da locução na mídia massiva.
Os grupamentos se reúnem nas antessalas do poder, onde se serve o caldo insosso de uma cultura sem discurso com sobremesa de geleia partidária. É bem verdade que o Brasil não é exceção na moldura da banalização da atividade partidária que se observa em praticamente todos os quadrantes mundiais.
L. de Crescenzo, escritor italiano, ensina: “O poder é como a droga e sempre exige doses maiores”. Vale tudo para ampliar espaços.
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Mudanças no cenário político não excluem a possibilidade de empreender.
Para Leandro Sobrinho, especialista em empreendedorismo, empresários e gestores devem manter o foco nas estratégias de negócio ao invés de se preocupar com as próximas gestões políticas
Muitas pessoas sentem insegurança para empreender e investir, com medo das constantes mudanças que acontecem no cenário político e econômico, que ficam ainda mais evidentes em um ano de eleições.
O especialista em empreendedorismo Leandro Otávio Sobrinho, que já atuou em diferentes ramos como moda, varejo, construção, sempre focado na gestão de sua empresa, descarta as oscilações políticas como obstáculo. “Na maioria dos casos, isso é apenas uma desculpa, uma forma de justificar a procrastinação em fazer algo novo, ficando mais fácil culpar o sistema do que se adaptar a ele. A política no Brasil e em vários países sempre foi algo repleto de adversidades, mas no fim os empreendimentos seguem seu curso e, na maioria dos casos, prosperam para aqueles que focam no seu negócio”, opina.
De acordo com Sobrinho, as constantes especulações do mercado de ações também constituem um dos fatores que causam insegurança para aqueles que querem abrir uma empresa. “Quando é noticiado que uma empresa teve uma queda de 50% no valor de suas ações, isso não quer dizer que essa companhia está faturando 50% a menos ou seu lucro despencou. Esse é um mercado especulativo e não deve influenciar os novos empreendimentos”, orienta.
Para empresários que já estão atuando, mas sentem que não irão prosperar devido ao cenário político ou pelas especulações de mercado, Sobrinho recomenda que é importante manter o foco e a constante busca por inovação, manter a equipe de funcionários motivada refletindo em um atendimento ao cliente de qualidade. “O empreendedor deve manter a atenção em seus clientes e em suas estratégias de negócio. Se ele focar apenas em quem será o próximo ministro da Fazenda ou o próximo presidente para tomar um posicionamento, provavelmente ficará esperando para sempre já que o cenário político está em constante mudança e por isso é preciso estar preparado para oscilações financeiras”, alerta o especialista.
Leandro afirma que mesmo com as constantes dificuldades, o Brasil apresenta um cenário mais vantajoso para empreender se comparado a países já estabelecidos economicamente. “O Brasil está repleto de oportunidades. Se você analisar um país de primeiro mundo, como Estados Unidos ou Japão, por exemplo, existe uma competitividade gigantesca entre as maiores marcas desses países, que investem muito dinheiro para se manterem como as principais escolhas dos consumidores. Enquanto isso, o cenário nacional dá espaço para novas marcas se estabelecerem como referências em um mercado que segue em constante evolução”, relata.
Pelas experiências vividas pelo especialista, os momentos de mudança na política são os mais favoráveis para dar início ou prosperar em um empreendimento. “Já vivi diversas trocas de presidente e são nos momentos mais turbulentos que surgem as melhores oportunidades. Desde boas compras relacionadas a mercadorias, até adquirir operações completas já em funcionamento. Abre-se um leque enorme de possibilidades para quem quer começar ou expandir seu negócio”, pontua.
Sobrinho reforça a importância de empreendedores darem total atenção aos seus negócios e não se preocuparem com problemas externos que podem ou não afetar uma empresa. “O importante, nesse tipo de situação, é motivar a sua equipe e estreitar o relacionamento com os seus clientes. Siga fazendo o que deve ser feito para que seu empreendimento prospere e deixe que os especuladores sigam falando sobre as vindouras instabilidades de mercado”, finaliza.
Sobre Leandro Sobrinho
Especialista em empreendedorismo desde os 22 anos, Leandro Otávio Sobrinho graduou-se em Direito, mas foi na gestão de diversos negócios que se encontrou profissionalmente. Foi proprietário de restaurante, franquias no segmento de moda, escola profissionalizante e investidor imobiliário.
Hoje, morando nos EUA, Leandro conseguiu adaptar seu modelo de trabalho em diferentes segmentos a uma empresa de investimentos e incorporadora de imóveis. Atuando na Flórida com foco no público local americano e residentes.
*Para mais informações, acesse www.raiseinvestor.com ou pelo Instagram raise.investor
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UMA LUZINHA NO TÚNEL
GAUDÊNCIO TORQUATO.
A implosão do PSDB, com a dissensão aberta pela Executiva do partido e o ex-governador João Doria que, até o fechamento desta análise, se mantem inflexível na manutenção de sua candidatura à presidência da República, pode se transformar no feixe de luz a iluminar a paisagem social.
Antes, a observação: o ex-governador de São Paulo tem todo o direito de reivindicar a indicação de seu nome, eis que venceu as prévias partidárias, legítimas e acordadas com a própria direção tucana. Ganhou do ex-governador Eduardo Leite, do RS, a vaga como candidato e até já iniciou seu périplo pelo país. O isolamento imposto a Doria, com a decisão do próprio PSDB, MDB e Cidadania de escolha de um candidato de consenso entre eles, que não seja o ex-governador paulista, aponta para a senadora Simone Tebet (MDB-MT), um perfil com maiores chances de crescimento, tendo em vista não ser muito conhecida e com rejeição não tão alta.
O imbróglio está formado e a alternativa que sobra a João é a judicialização, com recursos ao Judiciário. Posto isso, sigamos a vereda das expectativas. Espera-se que Tebet, com ampla visibilidade e um ciclo eleitoral de mais de cerca de quatro meses, possa se fazer conhecida e obtenha um índice competitivo entre os candidatos, quebrando a polarização entre Lula e Bolsonaro. Seria possível?
Sim. Mas a hipótese carece de um denso painel de fatores. Primeiro, consideremos o halo que cerca a imagem de João Doria. Sua rejeição é muito alta. Poderia revertê-la? Em parte, sim, mas também neste caso seriam necessárias condições para que pudesse crescer a ponto de ameaçar os dois candidatos dos extremos. Economia, espírito do tempo, embalo do eleitorado etc.
Em campanha, sabe-se do lema: quando o vento corre para um lado, ninguém segura. Foi o que ocorreu com o próprio Doria quando ganhou a prefeitura de São Paulo contra Fernando Haddad, em 2016, obtendo 53,29% dos votos válidos. E, também, quando ganhou o governo de São Paulo para Marcio França, do PSB, por 51,75% dos votos válidos contra 48,25%, em 2018. Nos últimos dias dos pleitos, o vento bateu forte nos costados de João.
O que teria havido com o empresário, jornalista e tucano que ajudou Mário Covas em tempos idos? O arrojo na política, essa propensão para abocanhar fatias cada vez maiores de poder. Deixou a prefeitura paulistana para Bruno Covas e se candidatou ao governo, deixou o governo para Rodrigo Garcia, que puxou do DEM para o PSDB, dois anos depois, sob a expectativa de que seria o tucano mais qualificado para ser o candidato do partido a presidente.
Essa imagem de “ambicioso” caiu no sistema cognitivo dos eleitores, que perceberam na índole Doriana uma aura que causa espanto e temor. A ideia de um perfil destemido, determinado, um gestor incansável, que chega a trabalhar 18 horas por dia, não vingou.
O cientista político Robert Lane crava a lição: “A fim de ser bem-sucedida em política, uma pessoa deve ter habilidades interpessoais para estabelecer relações efetivas com outras e não deve deixar-se consumir por impulsos de poder, a ponto de perder o contato com a realidade. A pessoa possuída por um ardente e incontrolável desejo de poder afastará constantemente os que a apoiam, tornando, assim, impossível a conquista do poder”. Na visão deste analista, esse “desejo ardente” pode ser a causa da tempestade que corrói o perfil de Doria.
E Simone Tebet? Senadora, mulher, fluente, passa a impressão de pessoa corajosa e em condições de entrar na liça. Filha de um grande político, Ramez Tebet, ex-prefeita, ex-secretária de Estado, ex-deputada, Simone exibe assepsia, sob um manto sem manchas na trajetória. Agora, seu crescimento vai depender das circunstâncias ou, noutra imagem, o Senhor Imponderável é quem dará as cartas decisivas.
Digamos que o eleitorado perceba e internalize a imagem de Simone. Digamos que seja favorecida pelos ventos da estação. Digamos que seja a bola da vez, encarnando a ideia de que poderá romper as fronteiras da polarização. Não é de todo improvável. O tempo é o Senhor da Razão, lema muito conhecido dos políticos, velhos e novos.
E, assim, a senadora emedebista poderia se transformar na luzinha que a comunidade política está ansiosa para enxergar, abrindo os horizontes de um novo tempo.
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Freyre com y.
Abro a coluna com a lembrança de Gilberto Freyre (com Y), um nome que se eleva no panteão da sociologia brasileira. Final de 1963. Festa de Formatura da turma do 3º colegial do Colégio Americano Batista, na rua Dom Bosco. Paraninfo escolhido: Gilberto Freyre, que havia estudado no colégio durante seus primeiros anos. Este escriba foi escolhido orador da turma. Também era presidente do Diretório Estudantil, que tinha como secretário o amigo e grande escritor (falecido) Marcus Accioly. Fomos, em um pequeno grupo, até Apipucos (bairro longínquo), entregar a carta-convite. Subimos a bela escadaria. Um gostoso licor de pitanga nos foi servido, enquanto, ansiosos, esperávamos a chegada do mestre. Sentou-se numa espreguiçadeira e iniciamos a fala. Entreguei a carta por mim assinada. Olhou o envelope, abriu a carta e, para nossa imensa surpresa, disse:
– Meus jovens, estou muito honrado com o convite. Até porque foi no Colégio Americano Batista que adquiri meus primeiros saberes. Mas vou devolver a carta. E esperarei que, na próxima semana, vocês a tragam, agora corrigida. Meu pai, Alfredo Freyre, quando recebia alguma correspondência como seu sobrenome grafado com I, ele a devolvia e pedia que os remetentes a corrigissem com o Y. Dessa forma, conservo a tradição.
Surpresos e frustrados, saímos de fininho e nunca mais grafei um Freyre sem perguntar, antes, se o destinatário é com Y ou com I.
Fiz o discurso de saudação. Recebi loas do paraninfo, que deixou o palco sob aplausos. É pena que não tenha mais esse discurso. P.S. A seguir, assistimos a um memorável show de Zé Vasconcelos e Lúcio Mauro, comediantes, que iniciavam sua trajetória profissional por Recife.
Brevíssimas
– Mais de 130 parlamentares, aproveitando a janela partidária, trocaram de siglas.
– Lula promete demitir, caso seja eleito, cerca de oito mil militares.
– Sergio Moro saiu arranhado do Podemos.
– Eduardo Leite não descarta ser vice de Simone Tebet.
– A reviravolta da Covid, na China, volta a causar medo no planeta.
– Putin ganha a batalha, mas perde a Guerra de versões para a Ucrânia.
– A jogada de João Doria, de ameaçar desistir, foi mais um tiro no pé.
– O conservadorismo está levando a melhor nas candidaturas vitoriosas por alguns redutos.
– Uma nova ordem mundial é o prenúncio de novos conflitos.
– China é a pedra que pode desequilibrar o jogo.
– Petrobras continuará a ser o calcanhar de Aquiles.
– As eleições serão tumultuadas. Ante os cenários que se desenham.
– A cada dia, fica mais difícil Lula levar no primeiro turno.
Homo brasiliensis
Nesse ano de eleições, não faltarão adjetivos para qualificar o homo brasiliensis, o nosso homem portador de vícios e costumes. A adjetivação para qualificar o homo brasiliensis é vasta e, frequentemente, dicotômica: cordial, alegre, trabalhador, preguiçoso, verdadeiro, desconfiado, improvisado. Afonso Celso, em seu Porque me Ufano do meu País, divide as características psicológicas do brasileiro entre positivas e negativas, dentre elas a independência, a hospitalidade, a afeição à paz, caridade, acessibilidade, tolerância, falta de iniciativa, falta de decisão, falta de firmeza, pouco diligente.
Resumo de Freyre
Nessa linha, Gilberto Freyre (com Y, conforme vocês leram na abertura) em Casa Grande & Senzala, pontifica: “Considerada de modo geral, a formação brasileira tem sido, na verdade, um processo de equilíbrio de antagonismos. Antagonismos de economia e de cultura. A cultura europeia e a indígena. A europeia e a africana. A africana e a indígena. A economia agrária e a pastoril. A agrária e a mineira. O católico e o herege. O jesuíta e o fazendeiro. O bandeirante e o senhor de engenho. O paulista e o emboaba. O pernambucano e o mascate. O grande proprietário e o pária. O bacharel e o analfabeto. Mas predominando sobre todos os antagonismos, o mais geral e o mais profundo: o senhor e o escravo“.
As mulheres na política
A participação das mulheres na política vem de longe. Mais precisamente de 1928, quando a potiguar Alzira Soriano foi eleita prefeita do pequeno município de Lajes. Mas o sufrágio feminino só viria a ser promulgado por Getúlio Vargas em 1934. Portanto, foi uma pioneira. Bem como a primeira deputada eleita no Brasil e na América Latina, a paulistana Carlota Pereira de Queirós (São Paulo, 13 de fevereiro de 1892 — São Paulo, 14 de abril de 1982), médica, escritora, pedagoga e política.
Madame Trudeau
Uma curiosidade: a mãe do atual primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, também esteve da linha de frente da batalha da mulher pela emancipação política. Margareth Trudeau, então com 27 anos, calça jeans e uma t-shirt, por ocasião da visita do seu marido, o então primeiro ministro Pierre Trudeau à Cuba e Venezuela, dizia: “Não fiz nada de errado (pelo fato de ter voluntariamente se internado numa clínica para fazer psicoterapia). Se faço as coisas de modo autômato, sou considerada um robô. Não vou deixar que me distancie como acontecia no passado. Quero ser algo mais que uma rosa na lapela do meu marido“. Outra mulher de político, Lady Bird Johnson, dizia: “o político deveria nascer enjeitado e permanecer solteiro“.
Uma pessoa
“Não me considero uma mulher, e sim uma pessoa a exercer um ofício“. (Indira Gandhi)
O eleitorado feminino
Na análise que faço sobre o eleitorado feminino, permito-me traçar algumas hipóteses, fruto das observações que venho fazendo ao longo de 40 anos de análise política. O pleito de outubro próximo será o mais racional para o eleitorado feminino, em outras palavras, será o pleito no qual a eleitora dará seu voto com maior convicção. Lembro que esse fenômeno advém do processo de organização da sociedade, em curso há alguns anos, e que tem na mulher um dos seus eixos. A mulher é quem mais sente o peso das carências nas áreas da saúde, educação, alimentos, transporte. Tende a buscar o perfil que mais se encaixe em sua moldura de necessidades. Escolherá o perfil independente do partido. A mulher lidera com 53% o voto no Brasil.
O jovem
Já o voto jovem, principalmente o do jovem com 16, 17 anos, será mais difícil de consegui-lo. O jovem descrê na política, a quem se refere como politicagem. Os políticos, regra geral, são ladrões. O desemprego que os afeta tem a ver com a irresponsabilidade dos governantes. Portanto, só mesmo um perfil que chame sua atenção poderá convencê-lo a ir às urnas. Nesse caso, vão buscar a figura que mais se identifique com os sinais de modernidade e inovação.
Os cinturões do governo
Avalia-se o desempenho de uma administração pela somatória de quatro campos de viabilidade: o político, o econômico, o social e o organizativo. O território social não passa de paisagem devastada pela improvisação. Medidas como as de combate à pandemia foram frouxas. Onde estão os pilares da política de saúde? Onde estão as políticas públicas para equacionar o déficit de seis milhões de unidades habitacionais para abrigar os 30 milhões de brasileiros sem teto? E o cinturão da gestão, da organização administrativa? Temos um ministério sem identidade.
Colcha de retalhos
Que eficiência se pode esperar de um ministério que é uma colcha de retalhos, com partes esburacadas, como as que abrigam ministros sob suspeita, envolvidos em escândalos, gente sem competência gerencial, quadros que vivem em torno de uma Torre de Babel? Como um país se dá ao luxo de ver 3% de sua safra perdida por causa da péssima condição das estradas? O cinturão econômico, esse também está mal ajustado. Trata-se de uma área que navega pelo piloto automático. O desemprego ultrapassa 15 milhões de brasileiros. O arrocho tributário alcança patamar nunca visto.
A maldade é dos outros
Certa feita, Carl Jung perguntou a um rei africano sobre a diferença entre o bem e o mal. Às gargalhadas, o soba respondeu: “Quando roubo as mulheres de meu inimigo, isso é bom. Quando me rouba ele as minhas, isso é ruim“. Nessa mesma linha, Alexander von Humboldt indagou a índios da Amazônia a razão para não comerem os colegas. Os índios responderam: “O senhor tem razão. Não podemos compreender que mal há nisso, pois os homens que comemos não são nossos parentes. Quando pertencem a tribos inimigas, canibalismo neles“. É o Brasil.
Ainda sobre maldade
Ainda sobre canibalismo. Um turco se encontrou um dia com um canibal. “Sois muito cruéis, pois comeis os cativos que fazeis na guerra“, disse o maometano. “E o que fazeis dos vossos?“, indagou o canibal. “Ah, nós os matamos, mas depois que estão mortos não os comemos“. Montesquieu assim arremata a passagem contada no livro Meus Pensamentos: “Parece-me que não há povo que não tenha sua crueldade particular“. P.S. Uma olhada nas cenas de guerra entre Rússia e Ucrânia atualiza a crença.
Homem de papel
No montinho de livros que esperam por minha leitura, o destaque vai para “Homem de Papel“, de um dos mais celebrados autores da literatura brasileira, o potiguar e diplomata que honra Mossoró/RN, onde nasceu: João Almino. Ansioso para fruir a imaginação do João, que escolheu o conselheiro Aires, dos romances de Machado de Assis, como protagonista e narrador deste seu último romance. Apenas para lembrar, João Almino foi aclamado por suas obras, entre as quais, Ideias para onde passar o fim do mundo, Samba-enredo, As cinco estações do amor, O livro das emoções, Cidade Livre, Enigmas da Primavera e Entre facas, algodão. Seus livros foram publicados na Argentina, Espanha, EUA, França, Holanda, Itália e México, entre outros países. Desde 2017, João integra a Academia Brasileira de Letras. Editora Record. Orelha de Hélio Guimarães., prof. da USP, e posfácio de Abel Barros Baptista, da Universidade Nova de Lisboa.
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O ELEITOR-MUTANTE
GAUDÊNCIO TORQUATO
O brasileiro não tem a convicção de um anglo-saxão, para quem pau é pau, pedra é pedra. Dependendo do momento e das circunstâncias o pau pode ter a consistência de pedra a ponto de o homo brasiliensis jurar diante de um tronco de madeira que se deparou com uma dura rocha. Essa característica tem raízes no dna do nosso povo, alegre e acolhedor, flexível e adaptável aos momentos.
Somos um povo de paz. Que procura harmonizar posições, tirando proveito das situações, piscando à direita e à esquerda. Não somos de pegar forte no trabalho, dizem. Conta-se, até, a historinha do brigadeiro Eduardo Gomes (UDN), em seu primeiro comício, no Largo da Carioca, no RJ idos de 1945: “brasileiros, precisamos trabalhar”. Do meio do povo, um ouvinte gritou: “vixe, já começou a perseguição”. O comício quase acabou.
O fato é que não cultivamos a semente das convicções. Somos afeitos às imprecisões. “Quantas horas o senhor trabalha por semana”? “Mais ou menos 36 horas”. “O senhor é católico”? “Sou, mas não vou à missa”. Petrolina não viu, até hoje, uma gota de petróleo de sua terra, nem Petrolândia ali perto. Quem leu Jorge Amado chega à conclusão de que a Bahia de Todos os Santos deveria ser apropriadamente chamada de Bahia de Todos os Pecados.
Já o gordo pernambucano Ascenso Ferreira, genial intérprete da nossa cultura, cantava: “Hora de comer – comer! Hora de dormir – dormir! Hora de vadiar – vadiar! Hora de trabalhar? – Pernas pro ar que ninguém é de ferro!”
Nada por aqui é definitivo. Há sempre um acréscimo, um “porém”, um drible dando curvas no foco das interlocuções. No terreno da teatralização política, isso é mais frequente. Daí a flexibilidade que mede as condutas do eleitor brasileiro. Não temos mais a lealdade que se via nos tempos da UDN e do PSD, partidos que dominaram a cena no passado. Há, hoje, uma intermediação de fatores a influir na decisão do eleitor. O eleitor sobe à gangorra por meio de alguns empuxos. O primeiro é o bolso, garantido por um emprego ou adjutório com o qual possa ajudar a família. O segundo fator é a proximidade com o candidato, aqueles com melhores condições de suprir as demandas. O eleitor faz comparações. O terceiro é o discurso do candidato, aquilo que o diferencia de outros e que também tem condição de ser avaliado: será que este candidato fará mesmo o que promete? Por isso, o candidato deve demonstrar os meios para a execução de suas promessas.
A seguir, aparece o grupo de referências, as entidades e lideranças respeitadas da região, cujas opiniões sobre os perfis são ouvidas e respeitadas. A própria maneira de o candidato se apresentar – formas de vestir, de se locomover (a pé, de carro), de gesticular e se mover em palanques – chama a atenção. O espalhafato, nesses tempos mais tristes e de prevenção – afasta.
O Brasil da pandemia é capaz de encher as ruas com gente clamando por mudanças, o que funcionará como aríete contra os espetáculos falsos da política. O eleitor está mais apurado, mais exigente, mais desconfiado. As pesquisas mostram a inclinação do eleitorado para as mudanças. O alto índice de rejeição dos dois principais candidatos revela desinteresse pela política, um puxão de orelhas nos políticos e suas práticas. Programas eleitorais mostrando candidatos como produtos de consumo de massa, com a imagem construída via efeitos cosméticos, podem ser um bumerangue.
O que se vê hoje no cenário é um triste retrato da longa distância que separa os anseios do povo do discurso dos candidatos. Não existe a menor conexão entre o recado das massas, esse ativismo ansioso que corre pelas redes sociais, viagens e falas vazias dirigidas a pequenos públicos escolhidos pelas assessorias. Maior prova é este início de campanha gelado, de acusações recíprocas e desprovido de engajamento.
Por último, o espírito do tempo, o vento da mudança. Quando o vento corre para um lado, ensinava meu saudoso pai, ninguém desvia sua direção.