Politica

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    Paranbulas políticas por Gaudêncio Torquato.

    Porandubas Políticas | Por Gaudêncio Torquato – 14/12/2022


    Abro as Porandubas com as hilárias historinhas de “Seu Lunga”. Lembram-se do cearense muito educado?

    Elevador

    Seu Lunga, no elevador (no subsolo-garagem). Alguém pergunta:

    – Sobe?

    Ele:

    – Não, esse elevador anda de lado.

    Tá doente?

    Seu Lunga vai saindo da farmácia, quando alguém pergunta:

    – Tá doente?

    – Quer dizer que se eu fosse saindo do cemitério, eu tava morto?

    Tá bom, pai

    Seu Lunga dava uma tremenda surra no filho e o menino gritava:

    – Tá bom, pai! Tá bom, pai! Tá bom, pai!

    – Tá bom? Quando tiver ruim, você me avisa, que eu paro.

    No polo Norte

    O amigo liga para sua casa e pergunta a seu Lunga:

    – Onde você está?

    E ele:

    – No Polo Norte! Um furacão levou a minha casa pra lá!

    Levou os discos?

    Na década de 70, seu Lunga chega num bar e fala pro atendente:

    – Traz uma cerveja e bota o disco de Luiz Gonzaga pra eu ouvir!

    – Desculpe, seu Lunga, não posso botar música hoje…

    – Mas por que?

    – Meu avô morreu!

    – E ele levou os discos, foi?

    Agora, uma voltinha por nossas terras…

    • Secos & Molhados

    Simone

    Simone Tebet, que ansiava pela Pasta da Cidadania, responsável pelo Bolsa Família, foi queimada pelo PT. Não vai para o lugar. É o que leio.

    Mercadante

    Mercadante, hoje presidente da Fundação Perseu Abramo, do PT, vai presidir o BNDES. E sustar o programa de privatizações. Gabriel Galípolo, economista, vai para a Fazenda. Mercado reage contrário aos perfis. Os juros futuros sobem ao espaço. Sinalização de descontrole nas contas públicas.

    Ciumeira

    O desempenho de Alckmin no governo de transição deu muita ciumeira no PT. O vice-presidente eleito será monitorado por mil olhos.

    PF

    Prepara-se para ingressar na era mais profissional. Sem ser alvo da mídia. Expectativas.

    A grande expectativa

    O governo de transição, cujos trabalhos se encerraram, hoje, trouxe muita expectativa. De mais de mil pessoas, pelo menos quinhentas continuam esperando participar do governo Lula.

    Os escolhidos

    Não tem havido surpresas, até o momento, na lista de ministros escolhidos por Lula. Tudo dentro do previsível.

    Maria Lecticia

    Acaba de lançar um livro sobre alimentos na Bíblia: “A Mesa de Deus”. Trata-se de um interessante trabalho de pesquisa da autora, que se debruça sobre o tema há 10 anos. A escritora vem a ser imortal na Academia Pernambucana de Letras e é esposa do imortal da Academia Brasileira de Letras, o maior especialista em Fernando Pessoa de nossas e outras plagas, o afamado advogado pernambucano, aclamado escritor José Paulo Cavalcanti Filho, que foi ministro da Justiça do governo Sarney. Uma formidável pessoa (Fernando…que o diga)!

    Lula mais comedido

    Lula leva para seu terceiro mandato o peso dos anteriores. Experiência. Ficou mais maduro. Mais tarimbado no trato de pressões e contrapressões. Não quer desperdiçar tempo. Veio com muita sede ao pote do poder.

    Mourão e Damares

    O atual vice presidente da República, Hamilton Mourão, vai ter um bom treinamento no Senado. Deve mudar a visão que tem dos políticos. E a senadora Damares Alves, a pastora, aprenderá na cartilha da política a ter menos visões radicais. O Senado lhe mostrará os caminhos da flexibilidade.

    O general Heleno

    Ao ter início o governo Bolsonaro, o general reformado Heleno, da Abin, conservava imagem de zeloso militar. Teve a imagem corroída pelo celofane da radicalização. Sai por baixo.

    Zambelli e Kicis

    As deputadas Carla Zambelli e Bia Kicis também tiveram suas imagens vestidas com o manto da radicalização. Terão estofo para aguentar o tranco da política parlamentar nos próximos tempos? A conferir.

    O bem e o mal

    Os sofismas subiram o patamar da banalização nos vãos da política. Todos conhecem a expressão popular: nós somos o bem. O mal são os outros. Recordo, a propósito, a pergunta feita por Carl Jung a um rei africano sobre a diferença entre o bem e o mal. Às gargalhadas, o soba respondeu: “Quando roubo as mulheres de meu inimigo, isso é bom. Quando me rouba ele as minhas, isso é mau.” Recordo, ainda, a questão exposta por Alexander von Humboldt a índios da Amazônia para não comerem os colegas. Os índios responderam: “O senhor tem razão. Não podemos compreender que mal há nisso, pois os homens que comemos não são nossos parentes.” Esse duplo padrão ético, apontado pelo magistral intérprete do ethos nacional, o embaixador Meira Penna, continua a guiar os governantes.

    Promessas, promessas

    Em 64 A.C., Cícero, o mais eloquente advogado do ciclo de César, guiou-se por um manual de representação, produzido por seu irmão Quintus Tullius, para vencer a campanha ao Consulado de Roma contra Catilina. O roteiro sugeria modos de se apresentar e falar. Coisas assim: “Seja pródigo em promessas, os homens preferem uma falsa promessa a uma recusa seca.”

    Outra promessa?

    Mercadante, escolhido para presidir o BNDES, ex-coordenador dos programas do governo da transição, avisou: serão 35 ministérios. Um acréscimo e tanto dos 20 e poucos do desgoverno Bolsonaro. Lula, por sua, ao ser diplomado para seu 3º mandato, prometeu resgatar o país da miséria em que teria sido colocado. Mais uma promessa? Fará um governo plural? Ou um Ministério recheado de petistas, dando de costas à frente partidária que o elegeu?

    A arte da representação

    Entre nós, a arte da representação também tem sido bastante cultivada. Jânio Quadros dava ênfase à semântica por meio de estética escatológica: olhos esbugalhados, cabelos compridos, barba por fazer, jeito desleixado, caspa sobre os ombros, sanduíches de mortadela e bananas nos bolsos, que comia nos palanques, depois de anunciar para a massa, com ar cansado: “Político brasileiro não se dá ao respeito. Eu, não, desde as 6 horas da manhã estou caminhando pela Vila Maria e não comi nada. Então, com licença.” E devorava a fruta, sob os aplausos da multidão. Não tinha nenhuma fome. O ator histriônico havia se refestelado com uma feijoada, tomado um pileque, dormido na casa de um cabo eleitoral e acordado quase na hora do comício.

    Aparência de dândi

    Não causa surpresa o fato de que nossos políticos continuam exímios na arte de representar. O que causa reação negativa é a esquisitice de parlamentares cuja aparência estrambótica chega a agredir o cargo que ocupam. Em 1949, o deputado Barreto Pinto (PTB) – eleito pelo Rio, na época Distrito Federal –, fotografado de fraque e cueca samba-canção, foi cassado por falta de decoro. Idos tempos. Causa estranheza, hoje, a apropriação exagerada do instrumental das artes cênicas pelo ator político. Tal invasão os leva a substituir literalmente os teatros pelos corredores da Câmara e do Senado, a confirmar a previsão do especialista Roger Ailes, contratado por Nixon em 1968 para produzir seus debates na TV: “Os políticos terão de ser, um dia, animais de circo.” Menos dândis, que têm o prazer de amedrontar, causar surpresas, menos estrambóticos. É o desejo da sociedade.

    Aparecer a qualquer custo

    A tendência a disseminar a palhaçada pela seara política é mais que previsível diante de fenômenos que carimbam a vida parlamentar: escândalos envolvendo deputados e senadores, gestos e atitudes aéticos, velhas e novas formas de patrimonialismo, descrença geral na classe política. Ademais, o princípio que inspira a índole de grande fatia da representação é aparecer a qualquer custo. No Estado espetáculo, a visibilidade é chave mestra da competição. Há um lado da moeda que parece escapar ao crivo da classe que se esforça para demonstrar as lições de Stanislavski (1863-1938), Brecht (1898-1956) e Lee Strasberg (1901-1982), os três grandes mestres da arte dramática.

    Menos circo

    Teremos menos circo na próxima legislatura? Bom conselho aos apaixonados pelas luzes da TV pode ser o do general De Gaulle, que sempre procurou preservar a liturgia do poder: “Os maiores medem cuidadosamente suas intervenções. E fazem delas uma arte.” Menos plumas, lantejoulas, penachos, sungas, espadas, vestes de Tarzan, penduricalhos e estilos bombásticos. Mais substância, foco, ações concretas, atitudes firmes e corajosas. Menos circo e mais Parlamento.

    O neocoronelismo

    No Brasil, o passado é sempre revisitado. E com direito a reviver seus hábitos, mesmo os pérfidos. É o caso do coronelismo do ciclo agrícola, que castigava o livre exercício dos direitos políticos. Os velhos coronéis da Primeira República (1889-1930) consideravam os eleitores como súditos, não como cidadãos. Criavam feudos dentro do Estado. A autoridade constituída esbarrava na porteira das fazendas. Agora, neste ciclo conturbado, às vésperas de um novo governo a se instalar, o país se defronta com milícias. O império coronelista do princípio do século passado finca raízes no roçado do Rio de Janeiro.

    Quadrilhas

    A denúncia é de que comunidades do terceiro maior colégio eleitoral do país têm sido dominadas por milícias, quadrilhas comandadas por policiais que ameaçam pessoas que não elegeram seus candidatos. Com o bolsonarismo inconformado, é previsível o aumento das ações milicianas.

    Reformar a administração?

    Só se for com regime de engorda. Ao bater de frente no modelo de gestão capenga que domina a administração pública federal, Lula ajuda a entortá-lo com a ampliação exagerada de ministérios e secretarias especiais. O diagnóstico já é bastante conhecido: permanece o desequilíbrio entre a hiperatividade decisória e a eficiência de operação da burocracia governamental. A reforma na administração vai para as calendas.

    O compromisso

    Fernando Haddad, um perfil teórico, será mesmo ministro da Fazenda ou será o próprio Lula o comandante da economia? A crise de governabilidade, tão proclamada quando dela se faz uso para justificar a necessidade de se promover o ajuste fiscal e tributário, terá forte componente na esfera da execução das políticas públicas, na incapacidade de fazer valer as leis e no descumprimento das decisões mais altas. Afinal, o governo cumprirá o compromisso de fazer as reformas fiscal e tributária? Bernardo Appy vai para a Fazenda com Haddad. Você acredita, Luiz Carlos Hauly? Lula foi eleito pela terceira vez na esperança de levar a pedra dos ombros do povo até o cimo da montanha. Coisa que Sísifo não conseguiu.

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    LULA III E O SE…

    GAUDÊNCIO TORQUATO

    Não será fácil. Com esta ênfase, tento abrir um raciocínio sobre o governo Lula III. Não se trata de ser pessimista, porquanto adiciono ao final desta frase a platitude: o Brasil é maior do que a crise. Mas o pacote de desafios a ser enfrentado pelo maior líder popular do país mostra que só mesmo contando com a certeza de que “Deus é brasileiro”, ele realizará as principais metas de seus compromissos.

    Para começar, o desafio de acabar com a fome que atinge cerca de 30 milhões de pessoas. Ou, segundo sua recorrente promessa, garantir que todos tenham direito a três refeições por dia, o café da manhã, o almoço e a janta. 100, 150, 200 bilhões fora do teto de gastos? Haja Bolsa Família. Haja recursos. Que serão necessários para oferecer as mínimas condições de vida digna aos cidadãos.

    E como cumprir essa meta com a ideia de transformar uma economia claudicante em um sistema forte, capaz de puxar para cima os índices de crescimento? Dá para tapar os imensos buracos que afundam as áreas da habitação, do saneamento básico, da saúde, da educação, dos transportes, da segurança pública? Como suprir as grandes demandas da população, sem recorrer aos orçamentos superdimensionados, aos recursos extraordinários, à quebra da ordem fiscal?

    A par da frente interna, a administração Lula III elege a sustentabilidade do meio ambiente como prioridade com a qual o Brasil voltará a ganhar credibilidade e respeito das Nações. Essa será a senha que abrirá os recursos dos fundos voltados para preservação das riquezas naturais, a partir do bioma amazônico. Lula acaba de ganhar aplausos internacionais na COP27, no Egito, o que demandará urgentes esforços para tapar a buraqueira aberta pelo governo Bolsonaro no espaço devastado da floresta amazônica.

    Querem ver mais complicações? Olhem para a equação partidária, composta, na Câmara, por representantes da direita, que passarão a ocupar 50% das vagas e, no Senado, por 44% dos senadores. A formação oposicionista será bem diferente dos tempos do Lula I, em 2003, e do Lula II, em 2008. Luiz Inácio, é oportuno lembrar, ganhou muita experiência nos anos de mando e comando, do PT e do país. Saberá como tratar descontentes, indignados, fiéis aos princípios franciscanos (“é dando que se recebe”), mas o custo será altíssimo para seu governo. Parcela dos quadros será atraída pelo gosto do poder, sob o império do pragmatismo, mas não percamos a noção de que os tempos serão abrasadores nos vãos e desvãos das casas congressuais.

    O debate será acalorado. Desta feita, os fogueteiros terão aplausos das galerias ou, se quiserem, das ruas. O país está rachado ao meio, levando-se em consideração o fato de que muitos votos foram dados a Lula não por simpatia ou adesão ao seu ideário, mas por decisão do eleitor em querer dar um fim à era bolsonarista. Da mesma forma, muitos votos do capitão saíram de eleitores que não aceitam a volta de Luiz Inácio ao poder central.

    Portanto, teremos de conviver, nos tempos que se abrem, com aplausos e apupos, aglomerações e palavras de ordem, movimentos de rua. Por mais que os poderes da República tentem se ater às suas funções constitucionais, as tensões aumentarão a temperatura social.

    Lula promete um “governo além do PT” e com os ouvidos atentos ao clamor da sociedade organizada. Procurará expressar um discurso suprapartidário com a convicção de que as pressões serão a cada dia mais intensas. As entidades intermediárias, despertadas pela tuba de ressonância de grupos e categorias profissionais, subirão ao Planalto com mais frequência, com a noção de que o país caminha na direção de sua democracia participativa.

    Naveguemos, agora, na corrente do Se..

    Se o novo presidente conseguir ultrapassar a barreira dos 100 dias de governo, sem tumultos e barulhos, adensa o fio de esperança que impregna metade do país.

    Caso as margens comecem a sentir os efeitos da política social, com a extensão do cobertor de proteção, uma onda de otimismo nascerá na base da pirâmide, sinalizando o transporte de parcela da população para os cômodos da classe C. Coisa para ocorrer na metade do mandato.

    Se o Brasil escalar ao pódio da defesa do meio ambiente, as pedras do dominó, após caírem, voltarão a dar força aos jogadores, liderados por Luiz Inácio.

    Teremos no meio do mandato do presidente eleito, em 2024, um ciclo de forte disputa, a eleição para prefeitos e vereadores, base do edifício político. As cartas serão realinhadas. Ali deverá ser construída a pista para uma nova decolagem do avião presidencial, prevista para ocorrer em 2026. O futuro a Deus pertence, diz a matreirice política. Nada disso, o futuro aos governantes pertence.

    Dedico este penúltimo Se aos pilotos que acabam de subir aos ares. Saindo das tempestades, uma, duas ou mais borrascas, até divisarem os horizontes do amanhã, conseguirão dar sobrevida a seus percursos políticos. A recíproca é verdadeira.

    Seja qual for a vertente vencedora, estaremos fechando as portas de 1964, com a aposentadoria de Bolsonaro e Lula.  

    O último Se vai para um Senhor que sempre nos visita, nem sempre acompanhado de anjos: o Imponderável. Nesse caso, S.D.S. (Só Deus Sabe).

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    A POLÍTICA NO PÂNTANO

    GAUDÊNCIO TORQUATO

    Neste domingo, 30 de outubro, o Brasil deu um dos passos mais aguardados de sua trajetória. Escolheu o Chefe de Estado e o governante que comandarão o país nos próximos quatro anos, ao longo de um ciclo político de transição, como o que será instalado a partir de janeiro de 2023. 

    Que pilares sustentarão o edifício da política nos próximos tempos? O edifício será sustentado por uma base institucional mais resistente às crises, menos tensionada, mais sólida e mais resistente às intempéries ou continuaremos a padecer abalos de instabilidade? Quando as placas tectônicas da política se acomodarão? Ou, para usar a expressão da professora Ângela Alonso, da USP, viveremos sob o império de um “nacionalismo beligerante, um moralismo hierarquizador, uma retórica fragmentada, aforística, virulenta, reiterativa de binários primários” ou sob a égide de um pacto político, a se impor em nome da governabilidade, o que deve resultar em programas agregadores de atendimento às demandas sociais?

    O fato é que seria inviável esticarmos o ciclo de intensa tensão, esse em que o Poder Judiciário, até então exercendo o papel de poder moderador, passa a ser alvo de um tiroteio voltado para macular sua missão de aplicador da justiça. O mais sagrado dos poderes enfrenta um paredão de questionamento por parte de parcela da comunidade nacional, só devendo resgatar sua grandeza quando os entes federativos, em harmonia, se esforçarem para resgatar uma histórica credibilidade.

    A tarefa pressupõe, é evidente, ampla mexida nos pilares da democracia representativa, a partir da propalada reforma política, com a recuperação de matizes ideológicos dos partidos e clarificação de seus programas doutrinários. A diminuição do número de siglas, processo em operação, a partir de exigências impostas pela cláusula de barreira, e a criação de federações partidárias, ajudarão a formar escopos densos e críveis. Mas essa meta, como acentuamos, dependerá da vontade do poder legislativo em mudar sua estampa e voltar a ganhar respeito do eleitorado.

    Quanto ao poder executivo, impõe-se a ele um regramento que torne claros os seus projetos e seu animus operandi, com a eliminação de tumores que corroem seu corpo, como a lei do “toma lá dá cá” ou o ato de lavar as mãos ante orçamentos secretos.

    A visão franciscana do “é dando que se recebe” não pode continuar a manchar as vestes do mandatário-mor. O centrão, como espaço de congregação de massas amorfas, siglas pasteurizadas, ideários vazios, há de rearrumar sua moldura de conteúdo. Tal exigência obrigará suas lideranças a repensar o sistema de mandos e a composição das peças orçamentárias.

    Na verdade, o que se faz necessário é repaginar a política, puxando-a do lodo do pântano e limpar seus vãos e desvãos. Urge reerguê-la com o fito de preservar sua missão a serviço da polis, afastando-a da seara de profissão a serviço de pessoas e grupos.

    Como é sabido, a degradação política se espraia por todos os cantos. Aqui e alhures. A rede da representação não tem passado no teste de qualidade. Em todos os continentes, toma corpo o sentimento de que a política, além de não corresponder aos anseios das populações, não é representa­da pelos melhores cidadãos, como estatuía o ideário aristotélico. A fisionomia dos homens públicos se apresenta esboroada. Os governos mudam dirigentes, mas não conseguem melhorar o cotidiano das massas. 

    Saint Just, um dos jacobinos da Revolução Francesa, já expressava nos meados do século XVIII, uma grande desilusão: “todas as artes produziram maravilha, menos a arte de governar, que só produziu monstros”. A frase se desti­nava a enquadrar perfis sanguinolentos. Mas, na contemporaneidade, canalhice, hipocrisia e mediocridade inundam os espaços públicos.

    Os mecanismos tradi­cionais da democracia liberal estão degradados. Basta apurar o sentimento dos eleitores. O desinteresse das populações pela política se explica pelos baixos níveis de escolaridade e ignorância sobre o papel das instituições, e ainda por de­sinteresse dos políticos em relação às causas sociais. Na primeira década do século 20, o declínio moral da classe governante mostrou-se intenso.

    A esfera pública virou arena de interesses. Deflagaram-se disputas intestinas na esteira de discussões violentas. A res publica bifurcou-se com a vereda do ne­gócio privado. O diagnóstico é de Hannah Arendt: “A sociedade bur­guesa, baseada na competição, no consumismo, gerou apatia e hosti­lidade em relação à vida pública, não somente entre os excluídos, mas também entre elementos da própria burguesia.”

    O que fazer para limpar a sujeira que borra a imagem do homem público? Resposta: basta que ele cumpra rigorosamente seu dever. E que seja dado àqueles que saem da linha o passaporte de saída da política. Com a melhor arma de proteção da cidadania, o voto.

    Gaudêncio Torquato é jornalista, escritor, professor titular da USP e consultor político – Twitter@gaudtorquato

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    Eleições 2022: por que o cenário econômico deveria ser o centro dos debates? 

    Professores da Unicid e Ceunsp explicam os pontos de atenção da economia brasileira que os eleitores devem se atentar nas propostas dos candidatos

    2º turno das eleições a caminho, debates em destaque e inúmeros pontos em discussão pelos candidatos. Todavia, um fator fundamental que os eleitores devem se atentar nas propostas é a economia. 

    O Prof. Me. Walter Franco, do curso de Ciências Econômicas da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), destaca que a pauta econômica é sempre importante em qualquer debate eleitoral, seja entre os candidatos ou cidadãos. “A economia é o principal combustível populacional, sendo necessário discutir de forma organizada, ampla e propositiva questões como emprego, renda, PIB, inflação, dentre outras, neste momento. As propostas dos candidatos, portanto, devem contemplar tais temas econômicos, pois são esses essenciais para o bem-estar da sociedade, e precisamos ser críticos e estar atentos ao acompanhar os debates e propostas”. 

    Walter explica que o Brasil tem diversos desafios para enfrentar na esfera econômica, como o combate à pobreza e ao subemprego, além de investir mais em saúde, educação e transporte. Por outro lado, há melhorias nas contas externas, com reservas internacionais em níveis altos historicamente, balança comercial superavitária e investimentos estrangeiros diretos crescendo esses anos. “Somado a isso, temos o Banco Central atuando de forma independente e cuidando da sua tarefa de manter e trazer a inflação para o centro da meta. O PIB crescendo a níveis que indicam variação acima de 3% para este ano de 2022 e o desemprego diminuindo”, aponta. 

    Já o Prof. Dr. Márcio de La Cruz, coordenador do curso de Administração do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (Ceunsp), reforça que a economia atual está muito frágil, principalmente pelo binômio juros alto e inflação. Márcio diz que conseguir equilibrar esses dois fatores sem mexer no teto de gastos será um grande desafio para o próximo presidente. “Uma possível saída seria a reforma tributária, o que poderia trazer, no médio prazo, ganho de produtividade diminuindo assim o déficit público e possível controle da dívida pública. Além disso, o próximo representante precisará definir um plano de investimentos em inovação, infraestrutura e muitas outras ações necessárias para o fortalecimento do PIB”. 

    Márcio assinala outros aspectos a serem observados: o aumento da inflação e juros mais altos prejudica especialmente população mais pobre, a pandemia e a guerra da Ucrânia tornaram os desafios ainda maiores e, nos últimos anos, um crescimento de pessoas que passam fome ou enfrentam algum grau de insegurança alimentar. “Isso já representa algo em torno de 15% da população brasileira, o que é muito preocupante. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) prevê um crescimento do PIB brasileiro por volta de 1,2% para 2023, mas será necessário a conquista de credibilidade das políticas fiscais e recuperação da capacidade de investimentos”. 

    Intenções de voto 

    O economista Walter Franco acredita que o voto do eleitor só será influenciado pela inflação se ele identificar no candidato o aumento de preços. Caso contrário isso não ocorre. “Neste momento, o emprego é mais sensível que os preços dos produtos. E a inflação vem caindo em razão das altas taxas de juros, entrada de safra agrícola e redução significativa dos preços dos combustíveis. Vale destacar que a queda de preços no varejo é mais importante que o nível dos índices de inflação, mas no geral os preços continuam altos”, considera.  

    Para o especialista De La Cruz, os impactos econômicos vividos pelos brasileiros podem ser determinantes na intenção de voto. “Esse fator reflete principalmente no controle da inflação. O aumento no preço dos alimentos e dos combustíveis estão entre as principais queixas dos eleitores, isso leva ao aumento também da taxa de juros, impactando diretamente no crescimento da atividade econômica. Hoje o Brasil está com a maior taxa de juros real do mundo e uma renda menor que 2021, levando as pessoas a consumirem menos. Outros fatores como o desemprego e o controle das contas públicas podem interferir na decisão dos eleitores”, evidencia. 

    Conter a inflação será um desafio para o próximo governante e, segundo Márcio, essa pessoa precisará explicar de onde virá a arrecadação, pois com os juros altos desestimulam os investimentos no país. Além disso, é preciso muita atenção nas questões externas, por exemplo, aumento da taxa de juros dos U.S.A e o preço dos commodities. 

    Eleição e reeleição tendem a ocorrer também com base em propostas econômicas, segundo Márcio. “Questões como desemprego, perda de poder de compra da população, falta de investimento em infraestrutura, saúde, educação e segurança pública são fatores decisivos em qualquer eleição. Os candidatos precisam apresentar propostas e soluções reais para desafios enormes, responder questões relacionadas a proposta para retomada do crescimento econômico, redução da inflação e dos juros, retomada dos empregos, diminuição das contas públicas, reforma fiscal, política e tributária”. 

    Já o professor de Economia da Unicid considera que a economia e seu desempenho não são tudo e nem os únicos fatores decisivos para o voto. “A escolha do candidato também é obtida por propostas, empatia com a figura política, ambiente geral da sociedade, dentre outros fatores. Atualmente, o brasileiro vota de forma muito racional em razão de ter muita informação e sensibilidade”. 

    Ainda, Márcio lembra que políticas públicas que fomentem e incentivem o investimento em inovação, ciência e tecnologia são pilares do crescimento econômico. “As questões relacionadas ao meio ambiente e a sustentabilidade, em equilíbrio com o crescimento sustentável do agronegócio, que é um dos motores da nossa economia, precisam ser pensados e discutidos para se encontrar as melhores soluções. É preciso realizar fortes investimentos em educação de qualidade e capacitação da nossa mão de obra, e estimular o crescimento da nossa indústria tornando-a mais competitiva, além de buscarmos aumento da credibilidade e confiança mundial para aumento dos investimentos externos no Brasil”, finaliza.  

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    POR UM TRIZ

    GAUDÊNCIO TORQUATO.

    Se Lula ou Bolsonaro, um ou outro, for o vencedor no dia 30 de outubro, será por quase nada. É o que as pesquisas começam a mostrar nesses últimos dias sobre a diferença de votos que separam os protagonistas. Os índices de ambos denotam a divisão da comunidade política em duas grandes fatias, quase do mesmo tamanho.

    A duas semanas do pleito, o país vive um clima de alta tensão, como nunca se viu na história dos pleitos eleitorais. Nem na acirrada disputa Collor versus Lula, no 2º turno ocorrido em 17 de dezembro 1989, quando o alagoano foi eleito com pouco mais de 53% dos votos.

    A campanha, como era previsível, baixou de nível. A referência a crianças da ilha de Marajó, que teriam sido vítimas de abuso sexual, conforme declaração da ex-ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, mais parece um golpe de marketing para favorecer um candidato. Os pedidos para que a hoje senadora eleita pelo DF mostrasse provas de sua gravíssima fala não foram atendidos.

    O uso da religião como anzol para atrair o eleitorado é constante e intenso. Não se trata apenas da presença do presidente Bolsonaro no evento do Círio de Nazaré, em Belém do Pará, ou em Aparecida, na festa da Padroeira do Brasil, dia 12, quarta feira última. Os evangélicos, e principalmente as mulheres, estão no centro das atenções dos candidatos, integrando a agenda política.

    Impressiona o volume de espaço que igrejas neopentecostais ganham na mídia, em clara invasão do Estado laico pela religião. O lema “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” é jogado do baú das citações. Bispos e pastores, alguns com passagem pelos corredores da Justiça, são assíduos frequentadores de palanques eleitorais. Outros puxam o voto dos crentes para colocar parentes no Congresso Nacional. (Um deles elegeu dois filhos como deputados federais, um no Rio, outro em São Paulo).

    Ondas de fake news inundam as redes sociais, ancorando-se até na participação de parlamentares que assumem publicamente posturas aéticas. As equipes de marketing das campanhas defrontam-se com barreiras intransponíveis, como a divisão desordenada do mando sobre as estruturas de comunicação e a improvisação para corrigir destemperos de candidatos. As gafes brotam dos dois lados, ou melhor, da garganta dos dois contendores. 

    Os integrantes de prestígio das duas bandas –, figuras não eleitas, governadores eleitos no 1º turno, lideranças e afins –, são convocados para gravar falas de apoio aos candidatos na esteira de um esforço para fisgar eleitores indecisos, aqueles que não estão dispostos a votar no dia 30 deste mês, e um grupo que se mostra inclinado a mudar de posição.

    Pesquisas mostram que um contingente próximo dos 10% do eleitorado sinaliza intenção de mudar o voto. A abstenção, se aumentar, favoreceria Bolsonaro e prejudicaria Lula. Daí a atenção de ambos para algumas praças, como a região nordestina (27% dos votos) e o poderoso universo eleitoral do Sudeste, reunindo os três maiores colégios eleitorais do país (SP, com 34 milhões de eleitores, MG, com 16 milhões e RJ com 12 milhões).

    Lula exibe avassaladora votação no Nordeste, a partir de Pernambuco, onde tem entre 65% e 70% dos votos. Precisa garantir suas posições e, sob essa razão, se faz presente à região. Bolsonaro carece melhorar a posição em Minas Gerais, e aumentar a votação em São Paulo, sem deixar de olhar para seu reduto original, o Rio de Janeiro. Ambos olham com preocupação os índices de pesquisas, mesmo que Bolsonaro só acredite no que chama de “Datapovo”. Entende que Lula não junta multidão como ele consegue.

    Já os Institutos, nessa reta final, tendem a afinar suas metodologias para evitar desmoralização e ganhar credibilidade. Os dados começam a mostrar disputa acirradíssima entre os dois.  O que, mais uma vez, faz emergir a questão: e se um candidato ganhar por minguados votos? “Por um triz”? Se Bolsonaro perder por pequena diferença, já se sabe: vai haver grita. Não foi por acaso que convocou suas bases a cercar as seções eleitorais depois de votarem. Pretende jogar suas bases na rua. Juntar a massa para protestar. Se ganhar por pouco, também teria interesse em ver seu eleitor na rua, seja para comemorar, seja para exigir uma vitória maior. As cartas parecem ser essas.

    Em suma, a paisagem não deixa ver sombras de harmonia social. Apenas muita poeira no horizonte. Um ciclone tropical, lá pelo final do mês, pode varrer o país com uma tempestade de grande dimensão.

    A democracia brasileira terá condições de suportar trancos e barrancos? Mais uma vez, este analista repete: sem apoio social, nenhum movimento de ruptura do tecido institucional resistirá. Fenecerá qualquer tentativa de arruinar nosso edifício democrático.