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INFERNO EM ALTO MAR.

PARTE 1 – Embarcados e esquecidos

Longe dos olhos dos passageiros, os cruzeiros, principalmente os meganavios, vivem um inferno astral. Uma série de fatos nada glamurosos que comprometem a boa imagem da indústria estão sendo denunciados. São acusados ora de provocar a poluição, incentivar o overtourism, ou de tratamento desumano dispensado aos tripulantes de cruzeiros. São matérias e denúncias sistemáticas sérias, produzidas por uma imprensa internacional respeitada e bem mais aguerrida que a média, onde se destacam, entre outras, Business Insider e Skift.

Quando se fala em cruzeiros, todo mundo pensa em um ambiente a bordo acolhedor, divertido e relaxante. Mas como diz o ditado: o que o olho não vê, o coração não sente. Pois nos bastidores e nos porões abaixo da linha d’água, bem longe das áreas frequentadas pelos cruzeiristas, há uma realidade nada simpática. E, claro, jamais mostrada nos luxuosos catálogos de comercialização. Não é possível generalizar, pois certamente há honrosas exceções. No entanto, os nomes da maioria das principais companhias internacionais de cruzeiros são citados nas reportagens.

Tripulantes de cruzeiros 

Labutando pesado entre 12 e 24 horas por dia, sete dias da semana por salários mensais que variam entre 500 e 700 dólares mensais, os trabalhadores de serviços gerais são os que mais sofrem. Há situações de manipulação de tabelas de serviço para que exaustivas horas de trabalho não sejam interrompidas por intervalos de descanso. A jornada é duríssima. São sete dias de trabalho seguido, em contratos que variam em média entre quatro e seis meses. “Não temos sequer tempo para dormir”, revela um ex-garçom da Carnival Cruise Line.

CANSAÇO SEM FIM – Os turnos de trabalho dos tripulantes são de até 7 dias da semana, com poucas horas de repouso.

Diferente dos regabofes pantagruélicos dos restaurantes de passageiros, a comida servida para os tripulantes é considerada muito ruim. Vão de galinha borrachuda à cabeça de peixe muito salgada, reclama ex-funcionário da Norwegian Cruise Line.

GOROROBA – Difícil encarar refeição com esta, servida para tripulantes menos afortunados (reproduzida da Business Insider)

Para matar a fome, muitos preferem manter nos quartos barras de cereais, frutas e sanduíches. Além disso, a combinação explosiva de stress no trabalho e solidão extrema leva a índices preocupantes de alcoolismo, principalmente entre bartenders e garçons.

Riscos de saúde

Somam-se denúncias de queimaduras de pele devido a exposições a produtos químicos perigosos, provocando até casos de cegueira. Elas ocorrem principalmente entre os que manuseiam sacos de lixo, lavagem de equipamentos de cozinha em água escaldante, ou ao lidar com produtos de limpeza sem vestimenta adequada.

Como vivem estas pessoas? Principalmente os de níveis salariais mais baixos, entre eles garçons, arrumadeiras, tripulantes, staff e prestadores de serviços aos passageiros, dividem quartos incrivelmente pequenos. Camas, mesa e prateleiras apenas, são ocupados em geral por duas pessoas, podendo chegar a quatro no mesmo ambiente. “Eu morava com outra colega e tínhamos que fazer turnos na hora de nos arrumar ao mesmo tempo”, revela ex-recepcionista da Costa Cruzeiros. “De tão estreito, não dava para abrir os braços sem esbarrar em alguma coisa”, completa ex-contratada da Norwegian. Em geral há um banheiro minúsculo, podendo ou não ser compartilhado pelo quarto seguinte. Nos piores casos, há apenas um banheiro coletivo por andar.

SOLIDÃO – O isolamento da tripulação das áreas de passageiros provoca até alcoolismo em casos extremos.
Contrastes

Já os Gerentes e oficiais do navio, uma minoria no exército dos tripulantes, contam com quartos individuais. Não necessariamente luxuosos, alguns têm televisão e geladeira. Isto sem falar nos passageiros, lá no andar de cima….

Como explicar que estes tripulantes, principalmente os mais modestos, aceitem trabalhar em condições tão impróprias? A explicação é que eles são recrutados em países com oportunidades econômicas restritas. Em geral são originários do Caribe, Filipinas e Leste Europeu. Provavelmente por isto aceitam, às custas de sacrifícios pessoais, juntar pé-de-meia para melhores dias, ou para ajudar financeiramente a família em casa.

BANHEIRO DE QUARTO – é neste micro espaço que até 4 tripulantes precisam compartilhar (Business Insider)
Tem mais!

Os problemas enfrentados pelos cruzeiros – e que poucos falam a respeito – não se limitam ao mau tratamento dado aos tripulantes. Há ainda a questão de graves danos ao meio ambiente. E a contribuição negativa ao overtourism dados pelos mega transatlânticos, que começam a ser “personae non gratae” em destinos mais requisitados.  Falaremos sobre isto proximamente, na continuação desta série.