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‘Diretas Já’ na Unesp: há 40 anos, universidade se mobilizou em campanha pioneira para reivindicar democratização do processo de escolha do reitor

Por meio de consulta feita de modo independente, alunos, docentes e técnicos-administrativos ‘elegeram’ o docente William Saad Hossne, da Faculdade de Medicina de Botucatu; escolha foi ignorada, e comunidade respondeu com paralisação e até invasão da reitoria

Manifestantes nas ruas em Botucatu para defender a escolha de William Saad Hossne | João Castilho/arquivo pessoal

Passava do meio-dia de quinta-feira 24 de maio de 1984 quando mais de 100 estudantes desembarcaram na estação Sé do metrô, no centro de São Paulo, carregando colchões e mochilas. Divididos em trios espalhados pela praça, eles observavam o vaivém dos pesados portões do número 108, na esquina da rua Benjamin Constant. Era o endereço da reitoria da Unesp.

Quando as portas se abriram por um instante para um entregador, os alunos aproveitaram a deixa, avançaram, passaram pelo porteiro e subiram até o sétimo andar, bradando “Unesp unida jamais será vencida”.

“Ocupamos”, lembra Domingos Carnesecca Neto, 67, à época estudante de economia do câmpus de Araraquara. Assim que se instalaram no edifício, os alunos dispararam mensagens de telex para todos os câmpus e redações de jornal, informando que a reitoria estava ocupada: eles exigiam eleições diretas na universidade.

Um dos lemas era “diretas urgentes para reitor e presidente”.

“Era tempo de democracia e abertura política com ares de liberdade e contestação”, define Gilberto Moreira Mello, 63, que estudava medicina no câmpus de Botucatu. No boom da campanha das Diretas Já, nos câmpus também se discutia como democratizar as universidades, conta ele, hoje médico radicado em Santos. Discussões assim aconteceram na Ufscar, na Unicamp e na PUC-SP, mas foi na Unesp que a causa tomou corpo.

Os dias que os estudantes passaram ocupando a reitoria foram intensos: organizaram assembleias e atividades culturais, confeccionaram faixas para pendurar no prédio, fizeram faxina, conversavam sobre Diretas Já e DCE Livre, cozinharam a própria comida utilizando ingredientes de cestas cedidas pela Arquidiocese de São Paulo e levaram jornalistas para um “tour” pelas instalações para mostrar que estava tudo em ordem, pois não queriam ser acusados de baderna. “Foi uma República de estudantes, com ‘R’ maiúsculo”, diz Solange Tóia, 61, então estudante de agronomia de Botucatu, que também participou da ocupação.

Perto dali fica a Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco. O jornalista Eugênio Bucci, então presidente do centro acadêmico 11 de Agosto, foi à ocupação prestar solidariedade aos estudantes unespianos e ofereceu apoio jurídico da famosa “San Fran”. O movimento também atraiu atenções de artistas e políticos – entre eles, Eduardo Suplicy (PT) e José Genoíno (PT). Até o vice-governador, Orestes Quércia (MDB), foi visitar o endereço, num sinal de apoio extra-oficial do governo paulista e disse “Parabéns” aos estudantes, relata Tércio Loureiro Redondo, 66, então integrante do centro acadêmico de Botucatu. Franco Montoro (MDB), um dos articuladores das Diretas Já, era quem ocupava o Palácio dos Bandeirantes. Estava nas mãos dele o destino da reitoria.

Na época, o Brasil ainda estava sob a ditadura militar — então, um movimento estudantil tão ousado pôs o governo Montoro, democraticamente eleito, na berlinda. O escolhido para destravar a parte mais visível do imbróglio foi Michel Temer (MDB), então secretário de segurança pública. Quando Temer bateu à porta da reitoria, o estudante Domingos Carnesecca Neto saiu para encontrá-lo no meio-fio. Temer pediu uma desocupação pacífica, e disse que Montoro se comprometera a realizar uma “transição democrática” na Unesp. Neto levou a proposta à assembleia e, no fim da tarde de 30 de maio de 1984, após seis dias de permanência, os 100 estudantes deixaram o prédio, com “mochilas nas costas, faixas de protesto estendidas e muito choro”, conforme reportou o Estadão.  

Foi a primeira vez que um movimento conseguiu congregar os diferentes câmpus – na época, a universidade tinha 15 unidades, 44 cursos e 63 habilitações. “Foi um movimento muito orgânico, com alunos, docentes e servidores”, diz João Castilho, 61, que era presidente do centro acadêmico de Botucatu e representante discente do Conselho Universitário na reitoria, à época chamado de “Jhonny”.

Entre 1983 e 1984, o movimento que agitou a Unesp teve altos e baixos, impasses e reviravoltas, que foram registrados na imprensa e nos boletins publicados nos câmpus. Muitos deles estão preservados no acervo do Cedem (Centro de Documentação e Memória), instalado justamente na antiga reitoria, na Sé, e do Centro de Memória da FMB (Faculdade de Medicina de Botucatu). Em fins de 1983, o Jornal do Campus da FMB, em uma “edição histórica” feita à mão, cravava em uma manchete: “Unesp escolhe seu reitor: William Saad Hossne”.

Leia a primeira parte desta série de reportagens no Jornal da Unesp

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