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    A POLÍTICA NO PÂNTANO

    GAUDÊNCIO TORQUATO

    Neste domingo, 30 de outubro, o Brasil deu um dos passos mais aguardados de sua trajetória. Escolheu o Chefe de Estado e o governante que comandarão o país nos próximos quatro anos, ao longo de um ciclo político de transição, como o que será instalado a partir de janeiro de 2023. 

    Que pilares sustentarão o edifício da política nos próximos tempos? O edifício será sustentado por uma base institucional mais resistente às crises, menos tensionada, mais sólida e mais resistente às intempéries ou continuaremos a padecer abalos de instabilidade? Quando as placas tectônicas da política se acomodarão? Ou, para usar a expressão da professora Ângela Alonso, da USP, viveremos sob o império de um “nacionalismo beligerante, um moralismo hierarquizador, uma retórica fragmentada, aforística, virulenta, reiterativa de binários primários” ou sob a égide de um pacto político, a se impor em nome da governabilidade, o que deve resultar em programas agregadores de atendimento às demandas sociais?

    O fato é que seria inviável esticarmos o ciclo de intensa tensão, esse em que o Poder Judiciário, até então exercendo o papel de poder moderador, passa a ser alvo de um tiroteio voltado para macular sua missão de aplicador da justiça. O mais sagrado dos poderes enfrenta um paredão de questionamento por parte de parcela da comunidade nacional, só devendo resgatar sua grandeza quando os entes federativos, em harmonia, se esforçarem para resgatar uma histórica credibilidade.

    A tarefa pressupõe, é evidente, ampla mexida nos pilares da democracia representativa, a partir da propalada reforma política, com a recuperação de matizes ideológicos dos partidos e clarificação de seus programas doutrinários. A diminuição do número de siglas, processo em operação, a partir de exigências impostas pela cláusula de barreira, e a criação de federações partidárias, ajudarão a formar escopos densos e críveis. Mas essa meta, como acentuamos, dependerá da vontade do poder legislativo em mudar sua estampa e voltar a ganhar respeito do eleitorado.

    Quanto ao poder executivo, impõe-se a ele um regramento que torne claros os seus projetos e seu animus operandi, com a eliminação de tumores que corroem seu corpo, como a lei do “toma lá dá cá” ou o ato de lavar as mãos ante orçamentos secretos.

    A visão franciscana do “é dando que se recebe” não pode continuar a manchar as vestes do mandatário-mor. O centrão, como espaço de congregação de massas amorfas, siglas pasteurizadas, ideários vazios, há de rearrumar sua moldura de conteúdo. Tal exigência obrigará suas lideranças a repensar o sistema de mandos e a composição das peças orçamentárias.

    Na verdade, o que se faz necessário é repaginar a política, puxando-a do lodo do pântano e limpar seus vãos e desvãos. Urge reerguê-la com o fito de preservar sua missão a serviço da polis, afastando-a da seara de profissão a serviço de pessoas e grupos.

    Como é sabido, a degradação política se espraia por todos os cantos. Aqui e alhures. A rede da representação não tem passado no teste de qualidade. Em todos os continentes, toma corpo o sentimento de que a política, além de não corresponder aos anseios das populações, não é representa­da pelos melhores cidadãos, como estatuía o ideário aristotélico. A fisionomia dos homens públicos se apresenta esboroada. Os governos mudam dirigentes, mas não conseguem melhorar o cotidiano das massas. 

    Saint Just, um dos jacobinos da Revolução Francesa, já expressava nos meados do século XVIII, uma grande desilusão: “todas as artes produziram maravilha, menos a arte de governar, que só produziu monstros”. A frase se desti­nava a enquadrar perfis sanguinolentos. Mas, na contemporaneidade, canalhice, hipocrisia e mediocridade inundam os espaços públicos.

    Os mecanismos tradi­cionais da democracia liberal estão degradados. Basta apurar o sentimento dos eleitores. O desinteresse das populações pela política se explica pelos baixos níveis de escolaridade e ignorância sobre o papel das instituições, e ainda por de­sinteresse dos políticos em relação às causas sociais. Na primeira década do século 20, o declínio moral da classe governante mostrou-se intenso.

    A esfera pública virou arena de interesses. Deflagaram-se disputas intestinas na esteira de discussões violentas. A res publica bifurcou-se com a vereda do ne­gócio privado. O diagnóstico é de Hannah Arendt: “A sociedade bur­guesa, baseada na competição, no consumismo, gerou apatia e hosti­lidade em relação à vida pública, não somente entre os excluídos, mas também entre elementos da própria burguesia.”

    O que fazer para limpar a sujeira que borra a imagem do homem público? Resposta: basta que ele cumpra rigorosamente seu dever. E que seja dado àqueles que saem da linha o passaporte de saída da política. Com a melhor arma de proteção da cidadania, o voto.

    Gaudêncio Torquato é jornalista, escritor, professor titular da USP e consultor político – Twitter@gaudtorquato

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    Eleições 2022: por que o cenário econômico deveria ser o centro dos debates? 

    Professores da Unicid e Ceunsp explicam os pontos de atenção da economia brasileira que os eleitores devem se atentar nas propostas dos candidatos

    2º turno das eleições a caminho, debates em destaque e inúmeros pontos em discussão pelos candidatos. Todavia, um fator fundamental que os eleitores devem se atentar nas propostas é a economia. 

    O Prof. Me. Walter Franco, do curso de Ciências Econômicas da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), destaca que a pauta econômica é sempre importante em qualquer debate eleitoral, seja entre os candidatos ou cidadãos. “A economia é o principal combustível populacional, sendo necessário discutir de forma organizada, ampla e propositiva questões como emprego, renda, PIB, inflação, dentre outras, neste momento. As propostas dos candidatos, portanto, devem contemplar tais temas econômicos, pois são esses essenciais para o bem-estar da sociedade, e precisamos ser críticos e estar atentos ao acompanhar os debates e propostas”. 

    Walter explica que o Brasil tem diversos desafios para enfrentar na esfera econômica, como o combate à pobreza e ao subemprego, além de investir mais em saúde, educação e transporte. Por outro lado, há melhorias nas contas externas, com reservas internacionais em níveis altos historicamente, balança comercial superavitária e investimentos estrangeiros diretos crescendo esses anos. “Somado a isso, temos o Banco Central atuando de forma independente e cuidando da sua tarefa de manter e trazer a inflação para o centro da meta. O PIB crescendo a níveis que indicam variação acima de 3% para este ano de 2022 e o desemprego diminuindo”, aponta. 

    Já o Prof. Dr. Márcio de La Cruz, coordenador do curso de Administração do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (Ceunsp), reforça que a economia atual está muito frágil, principalmente pelo binômio juros alto e inflação. Márcio diz que conseguir equilibrar esses dois fatores sem mexer no teto de gastos será um grande desafio para o próximo presidente. “Uma possível saída seria a reforma tributária, o que poderia trazer, no médio prazo, ganho de produtividade diminuindo assim o déficit público e possível controle da dívida pública. Além disso, o próximo representante precisará definir um plano de investimentos em inovação, infraestrutura e muitas outras ações necessárias para o fortalecimento do PIB”. 

    Márcio assinala outros aspectos a serem observados: o aumento da inflação e juros mais altos prejudica especialmente população mais pobre, a pandemia e a guerra da Ucrânia tornaram os desafios ainda maiores e, nos últimos anos, um crescimento de pessoas que passam fome ou enfrentam algum grau de insegurança alimentar. “Isso já representa algo em torno de 15% da população brasileira, o que é muito preocupante. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) prevê um crescimento do PIB brasileiro por volta de 1,2% para 2023, mas será necessário a conquista de credibilidade das políticas fiscais e recuperação da capacidade de investimentos”. 

    Intenções de voto 

    O economista Walter Franco acredita que o voto do eleitor só será influenciado pela inflação se ele identificar no candidato o aumento de preços. Caso contrário isso não ocorre. “Neste momento, o emprego é mais sensível que os preços dos produtos. E a inflação vem caindo em razão das altas taxas de juros, entrada de safra agrícola e redução significativa dos preços dos combustíveis. Vale destacar que a queda de preços no varejo é mais importante que o nível dos índices de inflação, mas no geral os preços continuam altos”, considera.  

    Para o especialista De La Cruz, os impactos econômicos vividos pelos brasileiros podem ser determinantes na intenção de voto. “Esse fator reflete principalmente no controle da inflação. O aumento no preço dos alimentos e dos combustíveis estão entre as principais queixas dos eleitores, isso leva ao aumento também da taxa de juros, impactando diretamente no crescimento da atividade econômica. Hoje o Brasil está com a maior taxa de juros real do mundo e uma renda menor que 2021, levando as pessoas a consumirem menos. Outros fatores como o desemprego e o controle das contas públicas podem interferir na decisão dos eleitores”, evidencia. 

    Conter a inflação será um desafio para o próximo governante e, segundo Márcio, essa pessoa precisará explicar de onde virá a arrecadação, pois com os juros altos desestimulam os investimentos no país. Além disso, é preciso muita atenção nas questões externas, por exemplo, aumento da taxa de juros dos U.S.A e o preço dos commodities. 

    Eleição e reeleição tendem a ocorrer também com base em propostas econômicas, segundo Márcio. “Questões como desemprego, perda de poder de compra da população, falta de investimento em infraestrutura, saúde, educação e segurança pública são fatores decisivos em qualquer eleição. Os candidatos precisam apresentar propostas e soluções reais para desafios enormes, responder questões relacionadas a proposta para retomada do crescimento econômico, redução da inflação e dos juros, retomada dos empregos, diminuição das contas públicas, reforma fiscal, política e tributária”. 

    Já o professor de Economia da Unicid considera que a economia e seu desempenho não são tudo e nem os únicos fatores decisivos para o voto. “A escolha do candidato também é obtida por propostas, empatia com a figura política, ambiente geral da sociedade, dentre outros fatores. Atualmente, o brasileiro vota de forma muito racional em razão de ter muita informação e sensibilidade”. 

    Ainda, Márcio lembra que políticas públicas que fomentem e incentivem o investimento em inovação, ciência e tecnologia são pilares do crescimento econômico. “As questões relacionadas ao meio ambiente e a sustentabilidade, em equilíbrio com o crescimento sustentável do agronegócio, que é um dos motores da nossa economia, precisam ser pensados e discutidos para se encontrar as melhores soluções. É preciso realizar fortes investimentos em educação de qualidade e capacitação da nossa mão de obra, e estimular o crescimento da nossa indústria tornando-a mais competitiva, além de buscarmos aumento da credibilidade e confiança mundial para aumento dos investimentos externos no Brasil”, finaliza.  

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    POR UM TRIZ

    GAUDÊNCIO TORQUATO.

    Se Lula ou Bolsonaro, um ou outro, for o vencedor no dia 30 de outubro, será por quase nada. É o que as pesquisas começam a mostrar nesses últimos dias sobre a diferença de votos que separam os protagonistas. Os índices de ambos denotam a divisão da comunidade política em duas grandes fatias, quase do mesmo tamanho.

    A duas semanas do pleito, o país vive um clima de alta tensão, como nunca se viu na história dos pleitos eleitorais. Nem na acirrada disputa Collor versus Lula, no 2º turno ocorrido em 17 de dezembro 1989, quando o alagoano foi eleito com pouco mais de 53% dos votos.

    A campanha, como era previsível, baixou de nível. A referência a crianças da ilha de Marajó, que teriam sido vítimas de abuso sexual, conforme declaração da ex-ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, mais parece um golpe de marketing para favorecer um candidato. Os pedidos para que a hoje senadora eleita pelo DF mostrasse provas de sua gravíssima fala não foram atendidos.

    O uso da religião como anzol para atrair o eleitorado é constante e intenso. Não se trata apenas da presença do presidente Bolsonaro no evento do Círio de Nazaré, em Belém do Pará, ou em Aparecida, na festa da Padroeira do Brasil, dia 12, quarta feira última. Os evangélicos, e principalmente as mulheres, estão no centro das atenções dos candidatos, integrando a agenda política.

    Impressiona o volume de espaço que igrejas neopentecostais ganham na mídia, em clara invasão do Estado laico pela religião. O lema “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” é jogado do baú das citações. Bispos e pastores, alguns com passagem pelos corredores da Justiça, são assíduos frequentadores de palanques eleitorais. Outros puxam o voto dos crentes para colocar parentes no Congresso Nacional. (Um deles elegeu dois filhos como deputados federais, um no Rio, outro em São Paulo).

    Ondas de fake news inundam as redes sociais, ancorando-se até na participação de parlamentares que assumem publicamente posturas aéticas. As equipes de marketing das campanhas defrontam-se com barreiras intransponíveis, como a divisão desordenada do mando sobre as estruturas de comunicação e a improvisação para corrigir destemperos de candidatos. As gafes brotam dos dois lados, ou melhor, da garganta dos dois contendores. 

    Os integrantes de prestígio das duas bandas –, figuras não eleitas, governadores eleitos no 1º turno, lideranças e afins –, são convocados para gravar falas de apoio aos candidatos na esteira de um esforço para fisgar eleitores indecisos, aqueles que não estão dispostos a votar no dia 30 deste mês, e um grupo que se mostra inclinado a mudar de posição.

    Pesquisas mostram que um contingente próximo dos 10% do eleitorado sinaliza intenção de mudar o voto. A abstenção, se aumentar, favoreceria Bolsonaro e prejudicaria Lula. Daí a atenção de ambos para algumas praças, como a região nordestina (27% dos votos) e o poderoso universo eleitoral do Sudeste, reunindo os três maiores colégios eleitorais do país (SP, com 34 milhões de eleitores, MG, com 16 milhões e RJ com 12 milhões).

    Lula exibe avassaladora votação no Nordeste, a partir de Pernambuco, onde tem entre 65% e 70% dos votos. Precisa garantir suas posições e, sob essa razão, se faz presente à região. Bolsonaro carece melhorar a posição em Minas Gerais, e aumentar a votação em São Paulo, sem deixar de olhar para seu reduto original, o Rio de Janeiro. Ambos olham com preocupação os índices de pesquisas, mesmo que Bolsonaro só acredite no que chama de “Datapovo”. Entende que Lula não junta multidão como ele consegue.

    Já os Institutos, nessa reta final, tendem a afinar suas metodologias para evitar desmoralização e ganhar credibilidade. Os dados começam a mostrar disputa acirradíssima entre os dois.  O que, mais uma vez, faz emergir a questão: e se um candidato ganhar por minguados votos? “Por um triz”? Se Bolsonaro perder por pequena diferença, já se sabe: vai haver grita. Não foi por acaso que convocou suas bases a cercar as seções eleitorais depois de votarem. Pretende jogar suas bases na rua. Juntar a massa para protestar. Se ganhar por pouco, também teria interesse em ver seu eleitor na rua, seja para comemorar, seja para exigir uma vitória maior. As cartas parecem ser essas.

    Em suma, a paisagem não deixa ver sombras de harmonia social. Apenas muita poeira no horizonte. Um ciclone tropical, lá pelo final do mês, pode varrer o país com uma tempestade de grande dimensão.

    A democracia brasileira terá condições de suportar trancos e barrancos? Mais uma vez, este analista repete: sem apoio social, nenhum movimento de ruptura do tecido institucional resistirá. Fenecerá qualquer tentativa de arruinar nosso edifício democrático.

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    REJEIÇÃO MATA CANDIDATURAS

    GAUDÊNCIO TORQUATO

    Falta uma semana para a onça beber água. O momento mais aguardado dos últimos tempos é o dia 2 de outubro, dia em que os esforços dos protagonistas da política serão testados nas urnas. Teremos a eleição mais paradigmática da contemporaneidade, eis que o processo envolve dois figurantes que despertam sentimentos de animosidade, conflitos entre eleitores, desavenças como nunca se viu.

    O teor de polêmica que Jair Bolsonaro e Luis Inácio puxam na arena social é um dos mais elevados de nossa história, o que se pode constatar nas taxas de rejeição que seus nomes provocam. O presidente é rejeitado por 52% do eleitorado, enquanto Lula apresenta 39% de rejeição, um índice até maior que o da intenção de voto em Bolsonaro, segundo última pesquisa do Datafolha. Esses números, vale registrar, não significam necessariamente uma opção por uma candidatura de terceira via, cujos nomes, principalmente Ciro Gomes e Simone Tebet, ainda não bateram nos dois dígitos. O que pode haver é o aumento das abstenções, votos nulos e brancos.

    Dito isto, vamos às observações. Pelo pouco tempo que os candidatos dispõem, parcela do eleitorado deverá votar de acordo com os gestos dos três macaquinhos: “não falo, não vejo, não ouço”. Será um voto às cegas.

    Quando um candidato registra um índice de rejeição maior que a taxa de intenção de voto, é bom começar a providenciar a ambulância para entrar na UTI eleitoral. Caso contrário, morrerá logo nas primeiras semanas do segundo turno, se houver.

    A rejeição constitui uma predisposição negativa que o eleitor adquire e conserva em relação a determinados perfis. Para compreendê-la melhor, há de se verificar a intensidade da rejeição dentro da fisiologia de consciência do eleitorado.

    O processo de conscientização leva em consideração um estado de vigília do córtex cerebral, comandado pelo centro regulador da base do cérebro e, ainda, a presença de um conjunto de lembranças (engramas) ligadas à sensibilidade e integradas à imagem do nosso corpo (imagem do EU), e lembranças perpetuamente evocadas por nossas sensações atuais. Ou seja, a equação aceitação/ rejeição se fundamenta na reação emotiva de interesse/desinteresse, simpatia/antipatia. Pavlov se referia a isso como reflexo de orientação. A rejeição tem uma intensidade que varia de candidato para candidato.

    Sabemos que Bolsonaro, por sua índole militar e linguagem desabrida, criou grande distância de parte da sociedade, enquanto os abnegados fazem fila ao seu redor. Mesmo assim, consegue a adesão de 1/3 do eleitorado, firmando-se como liderança. Da mesma forma, Lula, ao longo da história do PT, também criou um universo paralelo, jogando contingentes eleitorais em outras searas. Nos últimos tempos, ensaiou aproximação ao centro ideológico, convidou o ex-tucano Geraldo Alckmin para compor a chapa como vice e, assim, diminuiu a rejeição ao seu nome.

    Em São Paulo, Paulo Maluf, que sempre teve altos índices de rejeição, passou a administrar o fenômeno depois de muito esforço. Tornou-se menos arrogante, o nariz levemente arrebitado desceu para uma posição de humildade e começou a conversar humildemente com todos, apesar de não ter conseguido alterar aquela antipática entonação de voz anasalada. Os erros e as rejeições dos adversários também contribuíram para atenuar a predisposição negativa contra ele. Purgou-se, também, pelos pecados mortais dos outros. Ruim por ruim, votarei nele, pensaram muitos dos seus eleitores.

    A rejeição a determinados candidatos se soma à antipatia, ao familismo e ao grupismo. O eleitor quer se libertar das candidaturas impostas ou hereditárias. Mas não se pense que o caciquismo se restringe a grupos.

    Certos perfis, mesmo não integrantes de famílias políticas, passam a imagem de antipatia, seja pela arrogância pessoal, seja pelo estilo de fazer política, ou pelo oportunismo que suas candidaturas sugerem. Em quase todas as regiões do País, há altos índices de rejeição, comprovando que os eleitores, cada vez mais racionais e críticos, estão querendo passar uma borracha nos domínios perpetuados.

    Pesquisas qualitativas indicam as causas. Aparecerão questões de variados tipos: atitudes pessoais, jeito de encarar o eleitor, oportunismo, mandonismo familiar, valores como orgulho, vaidade, arrogância, desleixo nas conversas, cooptação pelo poder econômico, história política negativa, envolvimento em escândalos, ausência de boas propostas, descompromisso com as demandas da sociedade.

    O candidato há de montar no cavalo de sua própria identidade, melhorando as habilidades e procurando atenuar os pontos negativos. É erro querer mudar de imagem por completo, passar uma borracha no passado e cosmetizar em demasia o presente. Mas é também grave erro persistir nos velhos hábitos. Mudar na medida do equilíbrio. Mudar sem riscos. Todo cuidado com mudanças constantes e bruscas, de acordo com a sabedoria da velha lição: não ganha força a planta frequentemente transplantada.

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    Gaudêncio Torquato

    Porandubas Políticas | Por Gaudêncio Torquato – 31/08/2022Quarta-feira, 31 de Agosto de 2022. Abro a coluna com uma historinha da Paraíba.


    O caso ocorreu na encenação da Paixão de Cristo numa cidadezinha da Paraíba. O dono do circo, em passagem pela cidade, resolveu encenar a Paixão de Cristo na sexta-feira santa. Elenco escolhido dentre os moradores e no papel de Cristo, o “gatão” da cidade. Ensaios de vento em popa. Às vésperas do evento, o dono do circo soube que ‘Jesus’ estava de caso com sua mulher. Furioso, deu-se conta que não podia fazer escândalo sob pena de perder o investimento. Bolou uma maneira. Comunicou ao elenco que iria participar fazendo o papel do ‘centurião’.

    – Como? – reclamaram – O senhor não ensaiou!

    – Não é preciso ensaiar porque centurião não fala!

    O elenco teve que aceitar. Dono é dono. Chegou o grande dia. Cidade em peso compareceu. No momento mais solene, a plateia chorosa em profundo silêncio. Jesus carregando a cruz … e o ‘centurião’ começa a dar-lhe chicotadas.

    – Oxente, cabra, tá machucando!

    Reclamou Jesus em voz baixa.

    – É pra dar mais verdade à cena, devolveu o centurião.

    E tome mais chicotada. Chicote comendo solto no lombo do infeliz. Até que Jesus enfureceu-se, largou a cruz no chão, puxou uma peixeira e partiu pra cima do centurião:

    – Vem, desgraçado! Vem cá que eu vou te ensinar a não bater num indefeso!

    O centurião correndo, Jesus com a peixeira correndo atrás, e a plateia em delírio gritando:

    – É isso aí! Fura ele, Jesus! Fura ele, Jesus, aqui é a Paraíba, não é Jerusalém, não!

    Parte I – Panorama

    O debate da Band

    Uma surpresinha: quem esperava um duelo de vida e morte entre Lula e Bolsonaro, no primeiro debate da televisão aberta, viu golpes e estocadas vindos das laterais, desferidos por duas mulheres. A senadora Simone Tebet, com o apoio da colega, senadora Soraya Thronicke, ambas do Mato Grosso do Sul, ganhou o troféu da primeira batalha. Saiu da TV Bandeirantes como a candidata à presidente da República que melhor aproveitou os rounds da luta.

    Indecisos e…

    Parcela dos indecisos olha para o desempenho dos (a) candidatos (a) no debate e toma posição. Adere ao vitorioso. As bases de cada candidato são imutáveis. Consolidam suas decisões. E, como temos um eleitor mais racional este ano, diferente do eleitor de campanhas passadas, é razoável apostar na possibilidade de mudança de voto de certo núcleo que já havia escolhido seu candidato (a).

    Simone Tebet

    Teve ótimo desempenho na CPI da Covid. Fluente, experiente, professora, boa gestora como prefeita de Três Lagoas/MT, cara larga que ocupa toda a tela em primeiro plano, simpática, Simone, seja qual for o resultado do pleito, estará na agenda da política nos próximos tempos. Tornar-se-á conhecida e, assim, mais palatável ao gosto do eleitorado.

    O novo Lula

    O Luiz Inácio Lula da Silva de 2022 não é o Lula de ontem. Cabelos embranquecidos, com áreas vazias, voz mais rouquenha que a do costume, algumas vezes incompreensível. A contundência do passado tem sido amenizada pela sua caminhada ao centro do arco ideológico, ditada pela decisão de repaginar seu manto de cores radicais. O Lula do centro, com Geraldo na chapa como seu vice, é menos incisivo para desgosto de sua base tradicional. O novo Lula não empolga tanto como no passado. Sua voz, muito rouca, prejudica o desempenho. Falta de fonoaudióloga, dizem. Mas tem carisma.

    Ciro

    Deve ir até o final, sem desistência e sem vontade de aderir à chapa encabeçada por Lula, conforme aceno deste no debate da Band. Ciro saiu-se bem, é o mais preparado dos candidatos, mas tem problema de imagem. Um perfil tempestuoso. Trata-se de uma fonte inesgotável de dados, informações, comparações, conhecimento de Brasil. Parte de suas ideias se perde no emaranhado de uma fala que corre mais que lebre fugindo do caçador.

    Bolsonaro

    Facilmente irritável, inesperado e pronto para enfrentar a briga. Palavroso, dispara um canhão de palavras de mal trato, deseducado, comete um disparate com a maior tranquilidade. Mas suas bases vibram com suas peripécias linguísticas. Suas motociatas ficarão na história das campanhas eleitorais. Não tem escrúpulos. Atira contra uns e outros, mais ainda contra umas (mulheres) e outras (mulheres). Uma cultura extremamente machista. Um cara corajoso. Sem querer esconder seus maus costumes. Como lembra Vera Magalhães: não gosta de ser questionado por mulheres.

    O último mês

    Quando setembro vier… (quem se recorda do filme de Robert Mulligan, com Rock Hudson, Gina Lollobrigida e Sandra Dee?). Pois é, setembro virá amanhã. O tempo de a onça beber água. O mês de eventuais viradas de chapas preferenciais. Ou até de consolidação de posições já tomadas pelo eleitor. Dia 15 é um prazo-chave. Vejamos se pesquisas ainda são diferentes ou tendem a aproximar seus números. Nenhum Instituto quer passar recibo de parcial, vendido, mentiroso. Dia 20, a 12 dias do pleito, o clima será de “quase” definitivo. Por que o “quase”? Pelo respeito que tenho ao Senhor Incomparável dos Anjos.

    Eleição sob o bolso

    Volto a repetir. A economia será o guia do eleitor nas urnas. Não vou repetir minha equação para não ser tão recorrente. Mas o estado geral da sociedade – satisfação/insatisfação, felicidade/infelicidade/, alegria/amargura, ditará o resultado das urnas. E tais estados de espírito costumam ser balizados pela economia, pelo bolso capaz de fazer a feira, pagar o remédio, a passagem de trem ou de ônibus. Lembro ainda: aquele Senhor (acima citado) costuma visitar o Brasil.

    Os programas eleitorais

    As velhas receitas voltaram em cheio para maltratar os ouvidos dos telespectadores. Mensagens repetidas saturam. Histórias humanizadas de alguns protagonistas parecem artificiais. Animais, vozes de narração esportiva, sobrenomes hilários, João Ponta Grossa, Manezim da Esquina, Lourival do Jabá, figuras estrambóticas, números gritados, falas gritadas, numa algaravia (confusão de vozes) de Torre de Babel, educação, saúde, transportes, enfim, um palavrório sem pé nem cabeça – esse é o calvário que temos de suportar nas próximas semanas. Bons programas. E aguardem o 2º turno.

    O Brasil será outro

    Aqui segue minha visão sobre o amanhã. O Brasil caminhará por outras vias. Não significa que teremos de mudar tudo. As exigências de uma comunidade exigente, crítica e com tendência a participar do processo decisório com mais firmeza são pressupostos para a formação de polos de poder e pressão em todo o território. A esfera política, por sua vez, vai focar sua ação nesse processo. E tomará decisões mais afinadas à sociedade. Da mesma forma, agirão os poderes Executivo e Judiciário.

    Parte II – Secos & molhados

    – 7 de setembro não terá parada militar, mas um espetáculo militar na praia de Copacabana. Quem apostou em refluxo das FFas perdeu. Vai haver saltos de paraquedistas, tiros de canhão do Forte de Copacabana, urros e gritos, bastante gente na motociata de Bolsonaro.

    – Marcas difíceis de apagar: corrupção no governo Lula; desprezo de Bolsonaro pelas mulheres e má gestão da pandemia; estrebuchadas do Ciro Gomes; desfile de perfis insossos na programação eleitoral.

    – Dinheirama não dá direito à vitória; eleitor é sabido.

    – Mulheres deverão fazer bancada forte na Câmara e Assembleias estaduais.

    – O soberano, segundo Thomas Hobbes, em Leviatã (1651), ouvia seus conselheiros de um a um, nunca em conjunto.

    – A obra é fundamental para o entendimento do comportamento humano, sobretudo no que tange ao poder, sua organização, exercício e compreensão pelo homem, além de ser um dos pilares fundamentais tanto da sustentação daquele regime quanto da compreensão do universo político, guardadas as devidas diferenciações e proporções, em todo o mundo e em todos os tempos.

    – Governantes: separem o Estado laico da religião. Não confundam alhos com bugalhos.

    – Maior conhecimento dos candidatos implica maior adesão ou distanciamento por parte do eleitor.

    – Candidatos: observem a lei das maiores quantidades. Maiores conjuntos eleitorais carecem de maior presença dos protagonistas.

    – Rejeição é fator crucial em um 2º turno. E chave do portão no primeiro turno.

    – Em São Paulo, a disputa para entrar no 2º turno será uma das mais acirradas do país.

    – Este analista acredita em viradas eleitorais de última hora. Quando o vento correr para determinado lado, não há força que o detenha.

    – Teremos um pleito com a maior organicidade social no país. Com o maior número de entidades representativas dos conjuntos sociais e profissionais.

    Fecho a coluna com a época da Inquisição.

    Dez truques

    Dez truques dos hereges para responder sem confessar:

    1. A primeira consiste em responder de maneira ambígua.

    2. O segundo truque consiste em responder acrescentando uma condição.

    3. O terceiro truque consiste em inverter a pergunta.

    4. O quarto truque consiste em se fingir de surpreso.

    5. O quinto truque consiste em mudar as palavras da pergunta.

    6. O sexto truque consiste numa clara deturpação das palavras.

    7. O sétimo truque consiste numa autojustificação.

    8. O oitavo truque consiste em fingir uma súbita debilidade física.

    9. O nono truque consiste em simular idiotice ou demência.

    10. O décimo truque consiste em se dar ares de santidade.

    (Manual dos Inquisidores – escrito por Nicolau Eymerich em 1376. Revisto e ampliado em 1578 por Francisco de La Peña).

    Resposta de Lula a uma pergunta se houve corrupção em seu governo:

    • Ora, se delatores confessaram o roubo, é porque houve.