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Porandubas Políticas | Por Gaudêncio Torquato – 27/05/2020

A coluna abre com um pedido de desculpas à família de Fernando Prado Leite, pela historinha da semana passada. A médica Carmem Luiza Leite envia esta mensagem:

“Sou Carmem Luiza Leite, médica, residente em Aracaju/ SE e filha de Fernando Prado Leite. Parabéns pelas suas Porandubas políticas, histórias ou estórias? “Hilário” como assim se referiu em um texto sobre meu Pai, foi destruidor de uma família que tem o orgulho de toda uma história essa sim verdadeira. Peço o direito de resposta para que você mesmo possa conhecer melhor quem foi Fernando Prado Leite. Quem sabe você pode, através do livro O Chefe Invisível, conhecer todo esse capítulo que você publicou com toda a sua galhardia. Convicta de sua capacidade literária, e desse site “Migalhas”, solicito a retratação legal dessa reportagem ´Morra tranquila, mamãe´. Agradeço antecipadamente”.

P.S. Cometi um lapso. Na verdade, o relato da semana passada está no clássico livro Folclore Político, de Sebastião Nery, sob o número 1692. No que me cabe, faço este registro com meus respeitos e minhas homenagens à família.

Vai mesmo à Brasília

Esta também é da lavra de Sebastião Nery, mas há uma versão original russa.

31 de março de 1964. Benedito Valadares se encontra com José Maria Alkmin e Olavo Drummond no aeroporto de Belo Horizonte:

– Alkmin, para onde você vai?

– Para Brasília.

– Para Brasília, ah, sim, muito bem, para Brasília.

Os três saem andando para o cafezinho, enquanto Benedito cochicha no ouvido de Drummond:

– O Alkmin está dizendo que vai para Brasília para eu pensar que ele vai para o Rio. Mas ele vai mesmo é para Brasília.

Esse tipo de artimanha é chamado de engano de segundo grau. Quer dizer: engano meu interlocutor, dizendo-lhe a verdade para tirar proveito da sua desconfiança. A primeira historinha é judia e expressa com humor o refinamento a que leva o ocultamento de informações: “Que mentira, o senhor quis fazer-me acreditar que vai a Minsk. Acontece que o senhor vai a Minsk”.

Cenário político: os pontos nos is

Vamos à leitura sobre os fatos e suas versões. O vídeo da destemperada reunião do presidente e seus ministros baliza a linguagem de gregos e troianos. Os gregos, digamos que sejam os simpatizantes do governo, refestelam-se nas comemorações, vendo naquela gravação o eco de seus urros e loas ao bolsonarismo. Os troianos, integrados pelas hostes das oposições e de núcleos localizados no meio da pirâmide social e a mídia, reverberam seu espanto com a dose cavalar de palavrões, posições duras contra juízes, meio ambiente e políticos – governadores e prefeitos -, arrematando sua perplexidade com a ideia de que o governante-mor do país bateu no seu limite. Ambas as alas deixaram cair nas redes sociais seu verbo ácido. Mas as ondas radicais do bolsonarismo, sob a órbita dos robôs, ganharam em quantidade com uma frase que se repetiu indefinidamente.

10 minutos com a mesma frase

Um controlador das mensagens aponta que, durante 10 minutos, leu a mesma mensagem em pretensos apoiadores de Bolsonaro: “não conheço um eleitor de Bolsonaro que viu o vídeo e esteja arrependido, pelo contrário, já iniciamos a campanha para 2022. É a melhor propaganda de todos os tempos”. Marcelo Adnet, o comediante, joga nas redes um vídeo com a mesma frase e nomes de seguidores, alguns repetidos. Uma farsa, que deve ter o dedo do comandante das redes sociais do presidente. A linha de abordagens contrárias ficou mais restrita aos comentaristas de TV e de jornais. Além de articulistas de renome.

Eleições dirigidas?

Imaginem agora essa ferramenta tecnológica. Os pleitos eleitorais, aqui e alhures, têm ganho o impulso das máquinas robóticas. Aconteceu nos EUA e aconteceu aqui. Vamos ter, doravante, eleições sob a batuta desses cabos eleitorais eletrônicos? Essa é uma ameaça concreta aos sistemas democráticos. Terrível será enfrentar uma bateria tecnológica de robôs promovendo a mistificação das massas, induzindo a decisão de eleitores, manipulando gostos, atitudes e comportamentos. Daí a necessidade de se apontar os caciques dessa “eleição tecnológica”. Alguns deles estão no entorno dos governantes em todas as esferas do planeta. Cadê a CPI das Fake news?

E a pandemia?

O paradoxo fica escancarado. A pandemia ganhando força em todo o país, mas não se viu naquela reunião ministerial nenhuma ênfase ao esforço para combatê-la. Naquele momento, assumia o Ministério da Saúde o médico Nelson Teich, que parecia um peixe fora d´água. Ou seja, foi uma reunião para desabafo do presidente sobre sua insatisfação com segurança, sobre sua visão armamentista (facilitar o acesso de armas e munição ao povo), e instrumentalizar os serviços de segurança e inteligência para servir a si e aos seus. O vídeo é uma peça que entra na história do nosso presidencialismo, com direito a lances escatológicos, como a afirmação de que os inimigos (????) querem a “nossa hemorróida”. (???????). Um bom analista de índoles pode explicar esta estapafúrdia referência. Se não conseguir, é só remeter o caso ao velho Freud.

Exército e a imagem

Que os generais sejam convocados para trabalhar no governo, é coisa compreensível. A partir do fato de que somos governados por um ex-tenente, aposentado como capitão, do nosso Exército, o Exército de Caxias. Mas a convocação de um número de militares (a maior de reformados), acima de uma quantidade que se considere razoável, causa estranheza. É como se o governante quisesse construir uma fortaleza só com ferro, e não com cimento e cal. A denotar certa necessidade de proteção, receio de ser deposto por algum processo, inclusive um processo que caminhe pela via democrática como um impeachment, por exemplo.

Afinal, o que poderá ocorrer?

À luz do que conhecemos sob a cultura política por essas plagas, cheguemos às inferências. O risco de o presidente Jair Bolsonaro perder o mandato, com eventual impeachment, é menos de 10 cm em uma régua de 100. O presidente conta com forte parcela das massas. E mais: gosta de se infiltrar na massa, ao modo do antigo Lula. Usa palavreado torto e cheio de palavrões, identificando-se com a linguagem popular. Vestiu bem a camisa do anti-Lula. Interpreta o antilulismo, o anticomunismo, o antisocialismo, tudo que se relacione aos ideais, partidos e abordagens que lembrem a esquerda. Virou um guerreiro das Cruzadas contra o esquerdismo. Despertou a velha direita, uns 10% da sociedade, que vivia em estado vegetativo. Agregou um núcleo jovem, que nunca acompanhou política. Atraiu setores que já haviam se afastado da política. Ganha apoio junto ao empresário pragmático. Assediado por siglas amorfas e sem verniz ideológico, Bolsonaro tende a sobreviver. Em suma, Jair tem cacife para se sustentar.

A não ser que…

1 – A economia degringole

Pensemos em um atoleiro sem condição de deixar sair o carro. Devastação imensa no bolso do contribuinte, queda brutal de investimentos.

2- A pandemia não for contida por erros da gestão.

Descontrole geral e mortes continuam até bem mais adiante.

3- As carências de saúde chegam às margens de 2021/22.

O caos social leva clamor às ruas, com o povo indo às ruas pedindo o “fora Bolsonaro”.

4- Os grandes centros urbanos ampliam seu estado de deterioração, com sensível piora dos serviços públicos.

5- Bolsonaro não consegue consolidar uma base política no Congresso, afastando-se da esfera parlamentar.

6- A situação do Brasil na paisagem internacional é vexatória, com imagem negativa em todos os quadrantes.

Sob essa moldura, torna-se bastante viável um impedimento via Congresso Nacional.

E um golpe?

Ainda sob essa moldura, os militares não teriam motivação/condição de dar a ele sustentação pela força. O Brasil tem hoje uma classe média, que é a maior parcela da população. Com forte poder de difusão do pensamento.

Sergio Moro tem chance?

O perfil do ex-juiz e ex-ministro da Justiça terá força decrescente ao longo dos próximos tempos. Já não contará com a fosforescência das luzes midiáticas. E receberá críticas acirradas de um contingente de peso e voz: os advogados, principalmente os criminalistas.

O pleito municipal

Teremos provavelmente o pleito municipal em início de dezembro, por volta do dia 6. Será o pleito do rebate, com um voto de protesto do eleitor à forma como tem sido tratado e um desabafo ao modus operandi da mesmice política. Jovens e mulheres com boas chances de votação.

E a PF?

A Polícia Federal ganha força institucional nos próximos tempos. Vai ganhar aplausos por sua conduta republicana, agindo com independência e autonomia. Segunda-feira, seis agentes da PF apreenderam a câmera do cinegrafista Andriely Cirino, na Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto. O cinegrafista teria registrado a famosa reunião ministerial do dia 22 passado. E ontem passou a fazer buscas junto à família do governador Witzel.

Fecho a coluna com pequenas lições de marketing eleitoral

Marketing: os eixos

Resgato, aqui, os cinco eixos do marketing eleitoral: pesquisa, formação do discurso (propostas), comunicação (bateria de meios impressos – jornalísticos e publicitários – e eletrônicos), articulação política e social e mobilização (encontros, reuniões, etc.). A mobilização dá vida às campanhas. Energiza os espaços e ambientes. A articulação com as entidades organizadas e com os candidatos a vereador manterá os exércitos na vanguarda. A comunicação é a moldura da visibilidade. Principalmente em cidades médias e grandes. Sem ideias, programas, projetos, os eleitores rejeitarão a verborragia. E, para mapear as expectativas, anseios e vontade, urge pesquisar o sistema cognitivo do eleitorado.

Ênfases

O planejamento de uma campanha abriga todos os aspectos, com a inclusão das metas, objetivos, estratégias, táticas, meios e recursos, equipes e estrutura de operação, sistema de marketing, estudo dos adversários, etc. O mais importante é o foco sobre os eixos do marketing eleitoral, acima apresentados: a pesquisa, a proposta de discurso (os programas), a comunicação, a articulação e a mobilização. A pesquisa objetiva mapear interesses e expectativas do eleitorado. É vital para estabelecer e/ou ajustar o discurso do candidato. Sem pesquisa, atira-se no escuro. A pesquisa qualitativa tem a vantagem de descobrir os mapas cognitivos dos eleitores, aquilo que eles estão pensando. É fundamental, na medida em que o mapeamento do sistema de interesses e expectativas do eleitorado deverá ser o centro do discurso. A pesquisa quantitativa mede apenas intenção de voto, em determinado instante.

Municipalização x Nacionalização das campanhas? Ligeira resposta: o pleito deste ano será nacionalizado. Na esteira da intensa polarização que impregna a sociedade.

Micropolítica – política das pequenas coisas – ou macropolítica, temáticas abrangentes? O discurso da forma (estética) suplantará o discurso semântico? Campanhas privilegiarão pequenas ou grandes concentrações? Qual é o papel das entidades de intermediação social (associações, movimentos, sindicatos, Federações, clubes, etc.)? Telegráficas respostas: 1) Ambiente geral – estado geral de satisfação/insatisfação – adentra esfera regional/local (temas locais darão o tom, mas a temperatura geral será medida; 2) Micropolítica, escopo que diz respeito ao bolso e a saúde, estará no centro dos debates; saúde será o foco. 3) O discurso semântico – propostas concretas e viáveis – suplantará a cosmética, que consiste no modo de se apresentar aos eleitores; 4) Pequenas concentrações, em série, gerarão mais efeito que grandes concentrações. Não haverá motivação para isso. 5) Organizações sociais mobilizarão eleitorado.