Porandubas Políticas – Por Gaudêncio Torquato – 27/02/2019
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019 Abro a coluna com a verve das Minas Gerais.
Pronomes sem importância Matreirice mineira. Benedito Valadares chegou a Curvelo/MG para visitar exposição de gado do município. Na hora do discurso, atrapalhou-se: – Quero dizer aos fazendeiros aqui reunidos que já determinei à Caixa Econômica e aos bancos do Estado a concessão de empréstimos agrícolas a prazos curtos e juros longos. Lá do povo, alguém corrigiu: – É o contrário, governador! Empréstimo a prazo longo e juro curto. – Desde que o dinheiro venha, os pronomes não têm importância.
Onde é o norte? O termômetro social acusa: temperatura elevada, sentimento de insegurança, todos à procura de um norte. Para onde vamos? Infelizmente, ainda não dá para saber qual a direção a seguir. Enquanto a reforma da Previdência não passar pelas casas congressuais, o meio ambiente será tomado por dúvidas. O governo não tem boa articulação. O Congresso, cheio de novatos, ainda não decolou. O empresariado está de olho no andar da economia, que rasteja como caranguejo, dois passos para a frente, um de lado e dois para trás. O capitão ainda não aprumou a nave governamental. A orquestra política está à procura de maestro, um exímio articulador. O carnaval vem aí. Na quarta-feira de cinzas, o Brasil recomeçará. Para repetir os passos de Dândi na escuridão. P.S. O dandismo, maneira afetada de uma pessoa se comportar ou de se vestir, “é o prazer de espantar”. Definição do poeta francês Baudelaire, um dos precursores do simbolismo.
Aprovação Bolsonaro tem aprovação de 57,5% dos brasileiros. Mas a avaliação positiva do governo é de apenas 38,9%; já 45,6% discordam do projeto de reforma da Previdência. Resultado da pesquisa CNT, a primeira de avaliação divulgada após o presidente assumir o cargo. Bolsonaro é rejeitado por 28,2%. Outros 14,3% responderam que não sabem ou não quiseram responder. A avaliação negativa do governo é de 19%. Desses, 7,2% avaliaram o governo como “ruim” e 11,8% avaliaram como “péssimo”. Aqueles que avaliaram o governo como regular são 29%. Os que não sabem ou não souberam responder são 13,1%.
Real politik dá as caras Pois é, a real politik visita o presidente Bolsonaro, que imaginava governar longe da velha prática do “toma lá, dá cá”. Os partidos que começam a formar a base governista mostram os dentes. Querem indicar seus quadros para cargos na estrutura de empresas e autarquias governamentais nos Estados. O governo fala em criar um “banco de talentos”, forma ambígua para atender as indicações “técnicas” dos partidos. O que estes prometem ao presidente: uma atitude mais simpática em relação à reforma da Previdência e ao pacotão do ministro da Justiça, Sérgio Moro.
A Previdência O nome-chave para que a reforma consiga passar na Câmara, mesmo com forte bombardeio, é Rodrigo Maia. Experiente, com grande capacidade de articulação e mobilização, reeleito presidente da casa parlamentar com 334 votos, Rodrigo é a chave da porta. Na visão deste consultor, o Brasil de amanhã tem no filho de César Maia o grande fiador. O presidente da Câmara faz um alerta: Executivo deveria enxugar a proposta, concentrando-se na idade mínima e regras de transição. É um erro inserir mudanças polêmicas com capitalização, BPC – Benefício de Prestação Continuada e aposentadoria rural.
BPC Nos moldes atuais, o BPC é pago para deficientes, sem limite de idade, e idosos, a partir de 65 anos, no valor de um salário mínimo. O benefício é concedido a quem é considerado em condição de miserabilidade, com renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo. Pela proposta, a partir dos 60 anos, os idosos receberão R$ 400 de BPC, e somente a partir de 70 anos o valor sobe para um salário mínimo. “O importante é que a gente faça o debate daquilo que veio, mantenha o apoio daquilo que for majoritário e retire o que, do ponto de vista fiscal, não está ajudando, mas do ponto de vista político está contaminando“, ressaltou após participar do debate. O custo de debater o BPC na reforma da Previdência é muito alto, acentua Rodrigo.
Aposentadoria rural Pelas regras atuais para a aposentadoria rural, as mulheres se aposentam com 55 anos e os homens com 60 anos, com tempo mínimo de atividade rural de 15 anos. A proposta prevê idade mínima de 60 anos tanto para homens quanto para mulheres, com contribuição de 20 anos. O presidente da Câmara também indicou que a mudança poderia ser retirada da proposta. “O principal problema da aposentadoria é fraude. Se nós resolvermos essa distorção (fora da reforma), daqui para frente talvez esse déficit não cresça tanto“. As mudanças nas regras do BPC e da aposentadoria rural geram resistências, especialmente do Nordeste.
Hino nacional O Brasil tomaria um banho de civismo caso o alunato cantasse o hino nacional no início das aulas. O gesto propiciaria ao aluno comungar do espírito pátrio, que toma vulto com a homenagem aos símbolos nacionais, como a bandeira brasileira e o hino nacional. Agora, obrigar alunos a cantar o hino, fazer fila, filmar a turma cantando e, ainda, recitar o slogan da campanha do capitão Bolsonaro (“Brasil acima de tudo, Deus acima de Todos”) e mandar as filmagens para a Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto – isso mais parece estratégia persuasiva das ditaduras.
La Giovinezza O jurista, professor, desembargador e fundador do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências Criminais, e um dos maiores estudiosos do crime organizado, a partir da operação italiana Mãos Limpas, Wálter Maierovitch, lembra, a propósito, a canção La Giovinezza. Narra ele: “Nos vinte anos do fascismo italiano, Mussolini se apropriou da canção Giovinezza e a usou como hino do regime. E tudo começou com os jovens. Nas escolas, cantava-se a Giovinezza e era como se ter a imagem do “duce” e o louvor ao fascismo. No Brasil, sem dar a mínima para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o ministro da Educação recomendou fossem gravadas crianças a cantar o hino nacional, ocasião em que seria lida mensagem a se encerrar com o mote da campanha presidencial de Bolsonaro. Pano rápido: “o espetáculo fascistóide foi embalado, da Suíça, pela ministra da goiabeira”. P.S. Vejam o primeiro verso da canção: Salve, ó Povo de Heróis Salve, ó Pátria imortal!
Tempos de Hitler Lembro também os comícios de Hitler. Na primeira fila, jovens garbosos, grupos que imergiam nas técnicas de lavagem mental preparadas por Goebells. Será que o ministro da Educação, Ricardo Velez Rodrigues, não conhece os caminhos do nazifascismo? Que bola fora essa recomendação aos diretores de escolas públicas e privadas para que os alunos cantem o hino nacional. Ainda bem que é recomendação, não determinação. E ainda bem que ele reconhece o erro sobre o slogan de campanha. Seria escancarar o oportunismo político. Mas a ministra pastora Damares, lá da Suíça, como recorda Maierovitch, garante que é uma obrigação.
Uma vez por semana Pode ser que a ministra tenha se enganado. Sabe-se que é obrigatório cantar o hino nacional uma vez por semana por imposição da lei 5.700, de 1971, art. 39. Em 2009, acrescentou-se um parágrafo único, obrigando o canto do hino uma vez por semana. Mas filmar crianças sem autorização dos pais é proibido.
Tempos do nazismo Para ajudar a memória do ministro da Educação, pinço Sergei Tchakhotine descrevendo Hitler em Nuremberg, em 15 de setembro de 1938: “Sua entrada na sala do Congresso era precedida de uma manifestação sonora – antes que musical – fora do comum. Sobre o fundo de uma música wagneriana, ouvia-se um rufar assustador, pesado, lento, de tambores, e um passo duro, martelando o solo, não se sabe com que tinidos e com que respiração ofegante de corpos de tropa em marcha. Esse ruído ora aumentava, ora se afastava e devia provocar, nos milhões de ouvintes, com o coração angustiado pela espera da suprema catástrofe, um sentimento de fascinação e medo, desejado pelos encenadores“.
Para quê? Afinal, qual a serventia de eventuais filmes com meninos e meninas em fila cantando o hino nacional? O que iria fazer a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República com tais filmetes? Estocá-los? Fazer campanhas institucionais com a imagem das crianças?
Clima de campanha Quem acessa as redes sociais logo se depara com o tiroteio entre bolsonaristas e oposições durante todo o dia. Mesmo se posts tentam reproduzir apenas o que a mídia expressa, o ribombar se faz ouvir. O baixo calão se faz presente todo tempo. O presidente Bolsonaro também tuíta. E dá muita corda aos seus seguidores. Desse jeito, a pacificação das bandas sociais fica sendo um exercício para o distante futuro. O clima de campanha acirra os ânimos.
Sem guerrear
|