Porandubas Políticas | Por Gaudêncio Torquato – 21/10/2020
Quarta-feira, 21 de outubro de 2020
Abro a coluna com o querido RN.
O sabiá do senador
Quando senador pelo Rio Grande do Norte, Agenor Maria (sindicalista rural, falecido em 1997), visitando o município de Grossos, foi interpelado pelo prefeito Raimundo Pereira. “Estamos precisando de uma escola para a comunidade de Pernambuquinho“. De pronto, Agenor garantiu-lhe apoio à proposição. Semanas depois, um telegrama traz a boa-nova ao prefeito. “Escola está assegurada. Mande-me o croqui”. Tomado pelo espírito de gratidão, Raimundo visita Agenor para agradecer o empenho, carregando uma gaiola à mão. Diante do senador, que estranha o acessório, Raimundo vai logo se explicando. “Eu não peguei um concriz como o senhor pediu, mas trouxe esse sabiá. O bichinho canta que é uma beleza“!
(Historinha narrada em Só Rindo 2, de Carlos Santos)
Eleição fria
A campanha eleitoral segue com a temperatura de água fria. Pelo menos nesse maior conglomerado eleitoral, que é São Paulo, capital com os seus quase nove milhões de eleitores. Mesmo nos programetes eleitorais, os candidatos parecem cumprir pauta obrigatória. Um desfile de promessas antigas. Quem dispõe de mais tempo, como Bruno Covas, apela para o espaço do “povo fala”, quando se veem eleitoras (es) fazendo seus agradecimentos pelo hospital A, B ou C. Quem tem pouco tempo, fica no sorriso. Tempo médio, como o de Russomano, apela mesmo para velhíssimos chavões: creche vai permitir que as mães arranjem trabalho fora de casa.
Eleição quente
Em algumas regiões, a campanha começa a ficar quente. Recolho informações do Nordeste, onde as comunidades do interior fazem festança todos os dias para seus candidatos, com carreatas, passeatas, encontros, aglomerações. Todos ao lado do eleitor mortífero, o sr. Cornavídio-19. Há até quem se agarra ao jogo de palavras, principalmente quem está nos lugares baixos nas pesquisas: darei uma coronhada nos meus adversários; podem esperar a virada. Ou seria a virusada?
Vacina obrigatória
Quer dizer que tomará a vacina quem quiser? Não será obrigatória, diz o presidente. Será obrigatória em São Paulo, diz o governador. O presidente se vale da Constituição para liberar o não uso. A especialista em Direito Médico, Mérces da Silva Nunes, diz não haver dúvidas sobre o tema. “O limite entre imposições estatais e a autonomia individual das famílias é a Constituição”. Segundo ela, a Constituição Federal estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, a não ser em virtude da lei.
Mas o ECA
Mas a lei 8.069/90, “o Estatuto da Criança e do Adolescente”, impõe aos seus responsáveis legais o dever de proteger a saúde desta população. Ela dispõe que a vacinação das crianças é obrigatória nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias, levando em conta que a proteção é indispensável para evitar que essa população fique doente, em decorrência de doenças para as quais há vacinas comprovadamente seguras e eficazes.
Obrigatoriedade
Arremata a especialista Mérces: “O Estatuto da Criança e do Adolescente assegura o direito à vida e à saúde de crianças e adolescentes e impõe aos seus representantes legais o dever de proteger a saúde desta população, sob pena de responsabilidade”. O parágrafo 1º do artigo 14, do ECA, dispõe que a vacinação das crianças é obrigatória nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. E a legislação assim determina porque a proteção das crianças e adolescentes é indispensável para evitar que essa população fique doente, em decorrência de doenças para as quais há vacinas comprovadamente seguras e eficazes e para impedir que essa mesma população não atue como agente propagador dessas doenças.
Imunização
O Programa Nacional de Imunização (Ministério da Saúde) dispõe sobre a vacinação infantil e estabelece que as vacinas já comecem a ser aplicadas ainda na maternidade, logo após o nascimento do bebê. Não é possível que o jogo político entre nessa questão pandêmica. O STF deveria, logo, estabelecer sua diretriz, sem esperar que a politicagem seja a bússola da pandemia.
Doxa
Os gregos foram os primeiros a defender de maneira intensa suas crenças, fé, ideias, opiniões. O termo Doxa, em grego d??a, expressa o conceito. Pois bem, estamos vivenciando na Humanidade a Era da Opinião, das livres ideias. Cada qual defende seu ideário, suas crenças, mesmo que essas sejam invariavelmente jogadas no cesto da inverdade, das versões estapafúrdias, do invencionismo arraigado em radicalismos ideológicos. Daí a ressurreição do negacionismo, que políticos, autoridades e “falsos” profetas teimam em confirmar. A terra é plana e a Covid-19 é uma “gripezinha”.
E Galileu, hein?
Lembrem-se de Galileu Galilei, condenado à prisão por defender a tese de Nicolau Copérnico de que a terra não ficava no centro do universo, e sim orbitava em torno do sol. Galileu foi obrigado a negar sua pregação e a viver confinado em prisão domiciliar. Até que, em 31 de outubro de 1992, o papa João Paulo II reconheceu os enganos cometidos pelo tribunal eclesiástico que condenou Galileu Galilei à prisão. Essa revisão de posicionamento, portanto, ocorreu 350 anos após a morte do cientista italiano.
O negacionismo
O boato é uma lebre. A verdade, uma tartaruga. E que nem sempre, mesmo andando devagar, chega ao destino. É sufocada pela mentira, pelas falsas crenças. Quanta gente continua a acreditar que a Covid-19 não carece de tantos cuidados; que o isolamento social não freia a pandemia. Olhem a segunda onda do vírus que se espalha pela Itália, França, Inglaterra. Nos EUA, a maior democracia do planeta, os negacionistas se multiplicam e morrem às pencas. O Trump de lá e o Bolsonaro daqui, e um bom número de seus assessores, foram pegos pelo bicho. E ainda há quem não acredite que o homem pisou na lua. É barra aguentar a carga de ignorância que fecha a mente dos radicais empedernidos.
Lavanderia
Do ex-doleiro Vinícius Claret, mais conhecido como Juca Bala, ex-sócio do doleiro Dario Messer: “O Brasil é a maior lavanderia de dinheiro do mundo. Enquanto não sair uma lei proibindo o pagamento de boletos por terceiros, a lavanderia vai continuar solta“. Em suma, o Brasil é sui generis: mistura as características de paraíso fiscal com as intempéries de inferno tropical. P.S. Em tempo: paraíso fiscal possui regras extremamente flexíveis, que vão contra à aplicação das normas de Direito Internacional que coíbem crimes financeiros e combatem a evasão fiscal, sonegação de impostos e a lavagem de dinheiro. Já inferno tropical, deixo que cada um expresse seu conceito.
Gregos e romanos
O escritor Kenneth Minogue compara: “enquanto os gregos foram retóricos brilhantes, inovadores, os romanos foram agricultores, guerreiros sérios e prudentes, menos sujeitos que seus antecessores a se deixarem levar por uma ideia”. Herdamos nosso ideário dos gregos, mas nossas práticas dos romanos… O vocabulário político dos gregos – democracia, tirania, polícia, a própria política – e o vocabulário cívico dos romanos – civilidade, cidadão, civilização.
A lógica de Sócrates
O filosofo Sócrates andava por Atenas pregando a lógica. Quando ouvia alguém falando, perguntava se realmente sabia o que estava dizendo. Certo dia, ouviu um eminente estadista, aproximou-se dele e indagou:
– Perdoe-me a intromissão, mas o que vem a ser para o senhor a coragem?
– Coragem é permanecermos no nosso posto em perigo – respondeu o orador.
– Mas suponhamos que a boa estratégia exigisse a retirada? – replicou Sócrates.
– Bem, isso é diferente. Está claro que, nesse caso, não haveria necessidade de permanecer no posto.
– Então coragem não é permanecer no nosso posto, nem retirar, não é verdade? Pergunto, então, o que é coragem?
O orador franzia a testa:
– Confesso o meu embaraço. Creio que realmente não sei.
– Eu tampouco – arrematou Sócrates – mas será que se trata de algo que difere do uso da cabeça, pura e simplesmente? Isto é, fazer o que seja razoável, independente do perigo?
– Isso parece mais acertado- observou alguém entre o grupo.
Sócrates finalizou:
– Concordaremos, então, apenas para argumentar, é claro, pois é uma questão difícil, que a coragem se resume em sólido bom senso? A coragem é presença de espírito. E o oposto, nesse caso, seria a presença em tal intensidade que perturbaria a mente?
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