Porandubas Políticas – Por Gaudêncio Torquato – 16/01/2019
quarta-feira, 16 de janeiro de 2019 Abro a coluna com Vargas. Água no feijão Getúlio recebe o repórter no Palácio do Catete:
Pequena reflexão. Quem é bom e quem não presta na política brasileira? Quem flutua na água e quem está no fundo? Um prêmio para quem acertar a resposta. A grande preocupação Pouca dúvida há sobre a estratégia do governo Bolsonaro na frente da economia. A visão do Estado adequado será o eixo dos programas, a partir da privatização dos braços da estrutura administrativa que fogem ao comando do corpo. Quer dizer, braços desnecessários ao controle estatal passarão para a iniciativa privada. A dúvida que ganha grande preocupação diz respeito à visão do chanceler Ernesto Araújo sobre política externa. Ao que se intui, por suas próprias palavras, o Brasil deve caminhar sozinho em algumas estradas sem compartilhar com a visão de outros países. Significa se afastar da posição multilateral que tem guiado nossa política externa desde tempos remotos. Brasil-EUA O pensamento do chanceler, que tem a aprovação do presidente Bolsonaro, é a de que cada Nação pode e deve trilhar o caminho que julgar mais adequado para atender ao ideário da soberania sem seguir as regras estabelecidas por outras Nações. Araújo diz em alto e bom som que a cultura ocidental enfrenta um ataque do “globalismo”, que carrega em seu bojo o “marxismo cultural”. Seu pensamento é praticamente o mesmo do presidente norte-americano Donald Trump, para quem o controle da imigração (e a defesa contra a invasão de fronteiras) é vital para defender o ideário nacional, proteger valores e características dos países. A interpenetração de fronteiras acaba descaracterizando as identidades nacionais. E os organismos das Nações? Dessa visão, decorre a interrogação: e o que fazer com os organismos que agregam as Nações? ONU, OTAN, UNESCO, OMC, OEA, UE, NAFTA, MERCOSUL, entre outras? São essas organizações que estabelecem políticas envolvendo os interesses comuns de países, práticas comerciais, acordos em torno do clima, enfim, as estratégias que redundam em equilíbrio, harmonia, convivência amistosa e limites que devem ser preservados para garantir os valores da soberania nacional. É sabido que muitos países, na esteira dos perfis de seus dirigentes, costumam até romper com as regras definidas. Veja-se o caso dos EUA. Bush e Trump No ciclo Bush, a nação norte-americana, mesmo procurando apoio da comunidade internacional, agia sozinha quando não ganhava endosso dos países sob a égide da ONU. O argumento dos EUA é o de que, para exercer seu direito de defesa, podem usar o instrumental que se fizer necessário, inclusive participar com suas forças armadas em conflitos da contemporaneidade. Têm sido comuns as queixas de aliados norte-americanos contra o excessivo unilateralismo da política externa dos EUA. O presidente Clinton também defendia que a América deve estar preparada para avançar sozinha quando não houver alternativa. Trump, agora, avança com ímpeto nessa direção. O muro de cerca de US$ 6 bilhões de dólares na fronteira com o México é resultado do seu voluntarismo, que paralisa a administração Federal, com sérios prejuízos à população. O multilateralismo São imensos os benefícios da visão multilateral, principalmente quando as políticas sob sua sombra dizem respeito às doenças infecciosas, à estabilidade dos mercados financeiros, ao sistema de comércio internacional, à proliferação de armas de destruição maciça, ao tráfico de drogas, aos sindicatos do crime organizado e ao terrorismo transnacional. O multilateralismo é um mecanismo que se destina a partilhar com os outros os custos que abrangem o fornecimento de bens públicos. O neopopulismo nacionalista Que as visões unilaterais sejam usadas, eventualmente, pelos países, principalmente em momentos de crise ou quando estão em jogo questões de soberania e defesa nacional, isso é compreensível. O problema é saber quando e como usar a abordagem. Sob pena de romper os elos que unem as nações sob a chancela das organizações que as abrigam. O que se distingue, nesse ciclo político por que passa o planeta, é o acender da chama de um neopopulismo que se espraia pelos continentes sob o desfraldar da bandeira nacionalista. Trump é o ícone dessa corrente ao tentar seduzir seu eleitorado com o discurso de fazer a América grande, outra vez. Por trás dessa promessa, estão programas voltados ao emprego, à defesa da cultura, ao combate à criminalidade e às drogas, em suma, “Make America great again“. O caso brasileiro Essa tendência neopopulista bate em cheio na atual paisagem brasileira. Devastada por anos de corrupção, saindo do atoleiro que afundou o país na maior recessão econômica de sua trajetória republicana, vivendo uma campanha eleitoral muito polarizada, onde os extremos se combateram com a espada da expressão e vieses ideológicos – esquerda e direita – a paisagem viu a bandeira de um capitão reformado no Exército ser fincada no território. Junto a ela o ideário: expurgo do socialismo/comunismo, educação sem ideologia e sem viés em defesa de transgêneros, defesa da tradição e do culto à família, Estado sob a égide do liberalismo, entre outros aspectos. Dois pedestais Para compor essa moldura, o presidente Bolsonaro formou sua equipe com destaque para duas figuras que pairam acima de correntes ideológicas: o juiz Sérgio Moro, que saiu do pedestal da fama na operação Lava Jato, e emerge como destemido guerreiro no combate à corrupção e à violência que se espraia no território; e o economista Paulo Guedes que, por sua vez, formou um time de grande qualidade para a área da Economia. Três porta-vozes Mas, para efeito da imagem do conservadorismo que caracteriza seu governo, o presidente escolheu três figurantes: o embaixador Ernesto Araújo, que já deu as coordenadas que sustentarão as relações do Brasil com o mundo; um professor colombiano naturalizado brasileiro, Ricardo Vélez Rodriguez, que já traçou a linha conservadora que imprimirá à Educação; e uma pastora evangélica, Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos. Esses porta-vozes de identidades fortes no campo da extrema-direita traduzem a feição ideológica do governo. Voltando a Araújo Ernesto Araújo será o espelho a refletir a cara do Brasil para o mundo. Em seu entorno, a polêmica começou a brotar. Como o país vai explicar o afastamento de sua tradicional cultura na seara multilateral? Como os países árabes reagirão ante a promessa do presidente de transferir a embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém? Espera-se que o Brasil, ao querer andar sozinho, o faça sob uma forte base conceitual, de modo que haja compreensão de nações amigas. O perigo é o do isolamento do país. Análise aguda e densa A análise mais aguda e densa que este consultor leu a respeito de Cesare Battisti foi feita pelo jurista e professor de Direito Penal, Wálter Maierovitch, também o maior especialista brasileiro em matéria de Itália, no Estadão de ontem. O professor desborda o caso, que teve “condenações reexaminadas e confirmadas por mais de 60 juízes”, lembra a validação das condenações pela Corte de Direitos Humanos da União Europeia, pinça declaração do ideólogo do PAC – Proletariados Armados para o Comunismo (ao qual pertencia Battisti), Arrigo Cavallina, sobre o fato de que o condenado era “um ladrão comum que conheceu no cárcere e ingressou na organização terrorista”. Recheada de informações e oportunas observações, a análise do que chama de “fraude ambulante” termina com a abordagem de que o “ministro Luís Roberto Barroso, como advogado de Battisti”, “quis mudar a história dos autos do processos italianos e a própria história da Itália”. Um primor de interpretação. A índole militar A identidade militar do presidente Bolsonaro puxa, a cada dia, mais quadros reformados das Forças Armadas para áreas do governo. Ultimamente, mais quatro foram chamados: o porta-voz do governo será o general Otávio Santana do Rego Barros, pernambucano, atual chefe de comunicação do Exército; o presidente do Conselho da Petrobras será o almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira, ex-comandante da Marinha; o presidente da Funai será o general Franklimberg Ribeiro de Freitas, que já dirigiu o órgão na época do governo Temer; o major Vitor Hugo, deputado do PSL de Goiás, será o líder do governo na Câmara. Risco A questão: o líder do governo é um deputado de primeiro mandato. O cargo exige domínio das estratégias e técnicas de articulação política, conhecimento das práticas congressuais e experiência no trato do balcão político. Vem aí o projeto de reforma da Previdência. Terá o deputado Vitor jogo de cintura para ampliar a base de apoio ao governo? Maia, favorito Rodrigo Maia continua favorito na disputa da presidência da Câmara Federal. Pode, até, não se reeleger em primeiro turno. E pode, também, ser vítima de traições. Mas é o perfil com melhor articulação na Câmara. Há outros candidatos – fala-se em 7 – que podem desistir. Renan sob tiroteio Já o senador Renan Calheiros é alvo de intenso tiroteio nas redes sociais. E entidades organizam um ato contra ele em São Paulo. Renan nunca foi tão bombardeado como no presente. Mas o senador conhece como poucos a alma do Senado. Por enquanto, também o favorito. Dez valores emergentes
(Do meu Livro Tratado de Comunicação Organizacional e Política) Será o Benedito? Fecho a coluna com a alma mineira. Às vésperas da escolha do interventor de Minas Gerais, em 1934, Benedito Valadares se encontrou no Rio de Janeiro com José Maria Alkmin:
Dias depois, Getúlio Vargas anunciaria a escolha de Valadares, que logo recebeu um telegrama:
Zé Maria Alkmin acabou nomeado secretário do Interior.
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