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Porandubas Políticas | Por Gaudêncio Torquato – 06/01/2021

Quarta-feira, 06 de janeiro de 2021

Abro a primeira coluna do ano com uma historinha de Caruaru.

Uma infelicidade

Em Caruaru/PE, o coronel João Guilherme, senador estadual e chefe político, comprou a um matuto um cavalo de sela. Cavalo bonito, mas com a pálpebra caída. Cego de uma das vistas. Ao descobrir o logro, o coronel ficou indignado. Fez vir à sua presença o espertalhão. Ameaçou-o de cadeia.

  • Você teve a coragem de me vender um cavalo cego dum olho! Isso é uma falta de seriedade! Você fez negócio com um homem e não com um tratante da sua laia! Por que você não teve a franqueza de me dizer que o cavalo tinha esse defeito?
  • Mas, seu coronéu, vamincê me desculpe que eu lhe diga: o cavalo que eu lhe vendi não tem defeito, não!
  • Não tem defeito? Não tem defeito? Então, você acha que um cavalo cego dum olho não tem defeito?
  • Seu coronéu, vamincê me desculpe, mas eu acho que não tem não! Ser cego não é defeito: ser cego é uma infelicidade…

(Historinha de Leonardo Mota em Sertão Alegre)

2021 sob olhar desconfiado

Começa 2021. Os olhares diferem de foco e perspectivas. Uns olham para as cargas de vacinas que já chegaram e as que vão chegar. Há dúvidas sobre os rumos a seguir. O olho federal enxerga a imunização de um jeito. Os olhos de Estados e municípios não sabem bem para qual direção fixar sua atenção. Parcela da população nem pelas vacinas perde tempo, sob o descrédito da algaravia criada em seu entorno. O Brasil abre as cortinas do novo ano sob uma imensa sombra, que fecha os horizontes e turva a visão.

Que vacina tomar?

Alguns estão na dúvida: que vacina tomar? A pergunta que muitos fazem leva em conta a disponibilidade para escolher a vacinas. Pois vamos lá: não haverá essa possibilidade. Quem não tomar a que estará à disposição, perderá a vez. Daí a sugestão do bom senso: tome a primeira a que você, leitora/leitor, tiver acesso. Claro, depois de referendada pela agência de controle, a Anvisa. Se a eficácia for de 70%, vá em frente. Não espere a de eficácia de 95%. Um dia, uma semana ou um mês a mais poderá fazer diferença. E ninguém pode ser dar ao luxo de esperar pela vacina de maior eficácia. A segunda onda, pelo que se apura, está sendo mais perigosa do que a primeira.

Bolsonaro

O presidente continua a fazer muxoxo ante vacina a, b ou c. Está firme em sua posição – fazer aglomeração, não usar máscara ou usá-la apenas em eventos no Palácio do Planalto, considerar besteira essa ansiedade para tomar a vacina (no que é imitado por seu ministro da Saúde, Pazuello), não induzir ninguém à vacinação, muito pelo contrário. Seu foco é o encontro com as massas, uma escapada do Palácio ou um nado no mar para abraçar e ser abraçado pela galera na praia para ouvir o grito de guerra: mito, mito, mito.

É o mito

Jair Bolsonaro é um mito? Será que pode ser comparado a Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, Getúlio Vargas, que tinham a admiração das massas? Está a léguas de distância. Não pode ser comparado nem aos generais dos tempos de chumbo, que tinham um programa a cumprir e até certo espírito democrático, como historiadores atribuíam, por exemplo, a Castelo Branco. Na verdade, o capitão está muito embaixo da régua do preparo e da competência, não apenas pela pequena formação obtida até o grau de tenente, sua patente antes de se aposentar, mas pela conduta que foge completamente à liturgia que deve cercar a figura do presidente da República e de um chefe de Estado.

Por que o mito?

Porque era a opção que o eleitorado enxergou para evitar a volta do PT ao poder. Ganhou em 15 Estados e no DF de Fernando Haddad. Encaixa-se na historinha: quem não tem cão caça com gato. Preencheu, ao mesmo tempo, o sonho da direita, que esteve recôndita ao longo de décadas. Valores tradicionais foram encarnados por Bolsonaro, que mediu o tamanho oceânico do vácuo entre a classe política e a sociedade. Tapou o buraco com sua presença. Mas o tampo não foi uma roda completa. Digamos que tenha sido uma roda um pouquinho maior do que a metade. Hoje, a maior parte da roda está contra ele.

Puxar o passado

Outra pergunta recorrente: e por que o capitão continua desaforado, xingando uns e outros, vituperando contra adversários, batendo em teclas de uma obsoleta máquina de escrever, quando todos (ou quase) preferem usar o teclado do computador? A imagem serve apenas para dizer que o presidente tem obsessão por coisas ultrapassadas. E não adianta dizer para ele que parceiros que gostam das mesmas coisas, como o ricaço Donald Trump, perdeu a eleição norte-americana por não querer ver traços de modernidade na sociedade e por um estilo arrogante com o qual passa a imagem de onipotente. Não é que, a essa altura, o cara ainda acha que ganhou a eleição no território da maior democracia do planeta?

Segurar a base

Mas não é apenas esse gosto de ressuscitar o passado, na forma de elogios e defesa da tortura e outras maluquices, que distingue a índole do capitão. Ele sentiu que uma base de apoio popular se faz necessária para criar o clima de campanha permanente. Nesse sentido, faz o que Lula, do PT, sempre fez. Campanha todo tempo, palanque como candidato e palanque como presidente. Bolsonaro precisa oferecer alimento para as galeras que o aplaudem. E veste-se com a roupa do homem comum, “uma pessoa como nós”, que mergulha no mar, faz piadas, levanta e beija criancinhas, toma café na padaria, corta o cabelão com Mané Barbeiro, chega de surpresa nos ambientes e, sob os gritos de “é ele mesmo”, puxa o laudatório “é o mito, é o mito, é mito”. Refrão de campanha política. Equivale ao “Lula-lá” e ao “oPTei”, criados pelo publicitário Carlito Maia, décadas passadas.

Aliás….

Essa mania de apontar o candidato ou o governante como sendo isso e aquilo faz tradição por nossas plagas. Gleiber Dantas de Melo, em sua dissertação de mestrado, (Análise Discursiva do Governo do Monsenhor Walfredo Gurgel-1966-1971), apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL), da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Campus Avançado Profa. “Maria Elisa de Albuquerque Maia” (CAMEAM), como requisito para o título de mestre em letras, narra o seguinte sobre a campanha de 1965 para o governo do RN, disputada por Dinarte Mariz e Monsenhor Walfredo Gurgel.

É o velho, é o padre

  • Não obstante serem Dinarte e Walfredo quase de uma mesma idade – aquele, nascido em 1903; este, em 1908 -, logo, e quase espontaneamente, se definiram os gritos da guerra eleitoral que estava por começar. Os correligionários de Dinarte, àquela altura com bastantes cabelos embranquecidos, gritavam: “É o velho, é o velho, é o velho!”; era mais fácil dizer assim do que repetir todo o slogan de sua campanha política: “O velho tinha razão!”. Os eleitores de monsenhor Walfredo faziam a ofensiva, bradando: “É o padre, é o padre, é o padre!”.

O velho outra vez

Mais uma de velho, desta feita com o mito Getúlio Vargas. Durante o Estado Novo (1937-1945), o retrato oficial de Getúlio Vargas, com a faixa presidencial, tirado em 1934, figurava também na parede dos lares, até de não-simpatizantes, por precaução. Com a deposição de Getúlio, após quinze anos no poder, o retrato saiu de cena. Mas, em 1950, Getúlio volta à chefia da Nação, agora eleito pelo povo, e o resultado foi uma marchinha de sucesso, cantada por Francisco Alves na folia de 51, conclamando a volta do retrato e ironizando os antigetulistas. (Letra: Bota o retrato do velho outra vez; bota no mesmo lugar; bota o retrato do velho outra vez; o sorriso do velhinho faz a gente trabalhar. O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar; eu já botei o meu; e tu não vais botar; eu já enfeitei o meu e tu não vais enfeitar. O sorriso do velhinho faz a gente se animar).

O espírito do ano

Como fica implícito nas notas acima, o espírito do ano será impregnado pela política. Podemos prever o acirramento entre bolsonaristas e contrários. Poderia haver certo arrefecimento em caso de harmonia social, fruto, por sua vez, de economia alavancada. Essa possibilidade é remota. Será desafio o destravamento das engrenagens da economia. Os blocos partidários na Câmara e no Senado afiarão as suas espadas. O tom de beligerância seguirá em um crescendo até 2022.

Reforma ministerial

Para tentar adensar sua base política, o presidente deverá promover trocas de ministros. Não deu resultados, ministro cairá fora. A troca será constante, o que ocasionará muita desconfiança à esfera política. E à medida que o presidente vá esgarçando sua teia de apoio popular, os políticos tendem a se afastar do Palácio do Planalto. Olho por olho, dente por dente.

Enem

O Ministério da Educação acaba de apresentar o calendário do ENEM. Abaixo algumas pérolas dos testes do passado, enviadas por leitores:

  • A fé é uma graça através da qual podemos ver o que não vemos.
  • Os estuários e os deltas foram os primitivos habitantes da Mesopotâmia.
  • O objetivo da Sociedade Anônima é ter muitas fábricas desconhecidas.
  • A Previdência Social assegura o direito à enfermidade coletiva.
  • O ateísmo é uma religião anônima.
  • A respiração anaeróbica é a respiração sem ar que não deve passar de três minutos.
  • O calor é a quantidade de calorias armazenadas numa unidade de tempo.
  • Antes de ser criada a Justiça, todo mundo era injusto.
  • Caráter sexual secundário são as modificações morfológicas sofridas por um indivíduo após manter relações sexuais.
  • Lavoisier foi guilhotinado por ter inventado o oxigênio.
  • A harpa é uma asa que toca.
  • O vento é uma imensa quantidade de ar.
  • O terremoto é um pequeno movimento de terras não cultivadas.
  • Os egípcios antigos desenvolveram a arte funerária para que os mortos pudessem viver melhor.
  • Péricles foi o principal ditador da democracia grega.
  • O problema fundamental do terceiro mundo é a superabundância de necessidades.
  • A unidade de força é o Newton, que significa a força que se tem que realizar em um metro da unidade de tempo, no sentido contrário.
  • Lenda é toda narração em prosa de um tema confuso.
  • O nervo ótico transmite ideias luminosas ao cérebro.
  • A febre amarela foi trazida da China por Marco Polo.

Livro Porandubas Políticas

A partir das colunas recheadas de humor para uma obra consagrada com a experiência do jornalista Gaudêncio Torquato.

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