Politica
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Artigo Gaudêncio Torquato l CIÚME É VÍRUS ELEITORAL
CIÚME É VÍRUS ELEITORAL
GAUDÊNCIO TORQUATO
A lembrança de Hannah Arendt cai bem nesse momento: “a inveja era o vício nacional na antiga Grécia”. Pois é, o presidente da República tem usado seus espaços de expressão para azucrinar o ministro da Saúde, Luiz Mandetta. Seria o ministro um arrogante, o poder teria subido à sua cabeça e, mais, quem tem o poder da caneta é ele, que comanda o país. Foi um puxão de orelhas em Mandetta. No pronunciamento da última quarta, Bolsonaro levantou bandeira branca. Em termos. Garantiu que “grande maioria dos brasileiros quer voltar a trabalhar. Essa sempre foi minha orientação a todos os ministros, observadas as normas do Ministério da Saúde”. Ou seja, repete a tese que defende, desta feita sob a obediência à visão do Mandetta.
O ministro permaneceu no cargo por intercessão dos generais do Planalto, insistindo na defesa do isolamento social, barreira mais eficaz para atenuar a devastação causada pelo Covid-19.
São muitos os exemplos de fritura de ministros ao longo dos ciclos políticos, mas nunca se viu uma situação tão constrangedora como esta última: um presidente da República destratando publicamente um dos seus mais importantes auxiliares. Que conta com maciço apoio da sociedade.
Qual o motivo de tanta desconsideração e deselegância? Ciúme? Inveja? Se for isso, Bolsonaro puxa esse vício para o tabuleiro da política.
Não é preciso conhecimento avançado para se aduzir que o presidente Jair aprecia conviver com situações inseridas no departamento das “coisas politicamente incorretas”. Falar mal de ministros, dar pitos públicos, puxar a orelha de uns e outros, fazer piadas de mau gosto, apelar para símbolos sexuais e usar expressões misógenas e machistas, são pistas que apontam para a incivilidade do mandatário-mor da República.
Para quem acompanhou a vida do tenente aposentado como capitão e, depois, parlamentar por quase 28 anos na Câmara Federal, sabe que a trajetória de Sua Excelência foi uma cruzada cheia de curvas, posições discriminatórias, exaltação aos anos de chumbo e a torturadores, enfim, um roteiro pavimentado com o cimento da polêmica. Quem imaginou que, no cargo de presidente, poderia agregar algum refinamento e adotar a liturgia do poder, enganou-se. O presidente mudou pouco hábitos de outrora.
A par da ausência de saberes compatíveis com as exigências do cargo, o presidente dá sinais de que se vale de três assessores fundamentais: os três filhos, o senador Flávio, o deputado Eduardo e o vereador Carlos, sendo este apontado como coordenador do “gabinete do ódio”, acusado de fabricar fake news. O fato é que os impulsos emotivos da filharada parecem pesar sobre o processo presidencial de decisão.
Nesse ponto, voltemos ao episódio que culminou com a execração pública do ministro Mandetta. Bolsonaro teria ficado com ciúmes do prestígio adquirido pelo ministro junto à opinião pública, nos moldes de postura assemelhada quando se distanciou de Sérgio Moro e Paulo Guedes. Com um drible, Mandetta referiu-se de maneira indireta ao assunto. Contou ter voltado a ler o “Mito da Caverna”, que aparece na República de Platão. “Já li umas 20 vezes e até hoje não consegui entender”, frisou o ministro.
O mito platônico trata de conhecimento e ignorância. Fala da caverna escura onde homens vivem acorrentados, vendo apenas sombras. Platão – dizem os estudiosos – coloca na boca de Sócrates três imagens – o sol, uma linha divisória entre o inteligível e o mito da caverna, alegoria para explicar que a maior parte dos homens permanece na ignorância, sendo o filósofo aquele que sai da caverna e vê as coisas como são.
Seria uma ironia ao ‘mito’ como Bolsonaro é chamado? Os sábios nos brindam com aulas sobre a inveja. Bacon preconizava: “O homem que não tiver virtude própria sempre invejará a virtude dos outros. A razão disso é que a alma humana se nutre do bem próprio ou do mal alheio, e aquela que carece de um, aspira a obter o outro, e aquele que está longe de esperar obter méritos de outrem, procurará se nivelar com ele, destruindo a sua fortuna”.
Dante Alighieri reservou um dos espaços do purgatório aos invejosos, que teriam os olhos costurados com arame. Nada vendo, não podem mais invejar. E Santo Agostinho definia a inveja como a tristeza pela felicidade dos outros (“tristitia alienum bonum”), a dor pelo sucesso alheio.
O presidente da República tem de sair da caverna, onde sofre com o sucesso de outros, para ver não apenas sombras, mas a verdade do mundo real.
Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação – Twitter@gaudtorquato
Mais análises no blog www.observatoriopolitico.org
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Porandubas Políticas | Por Gaudêncio Torquato – 08/04/2020
Quarta-feira, 08 de Abril de 2020
Historinha do RN
Governador do RN, Dinarte Mariz foi a Macau para a festa de inauguração da cadeia pública. O prefeito Venâncio Zacarias, ex-sindicalista salineiro, tascou o verbo no discurso de recepção:
– Governador, a cadeia está inaugurada e o senhor pode se sentir em sua Casa.
Risos gerais.
O sangue de Churchill
“Espero que meus amigos e colegas, ou colegas de outrora, que tenham sido afetados pela reconstrução política, sejam tolerantes e me desculpem por qualquer falta de cerimônia na maneira por que fui compelido a agir. Eu diria a esta Casa, como disse àqueles que passaram a formar este governo:
– Eu nada mais tenho a oferecer senão sangue, trabalho, suor e lágrimas”.
(Winston Churchill)
Quarentena meia boca
O Brasil poderia alcançar resultados mais expressivos no combate ao covid-19, achatando de maneira mais rápida a curva do crescimento da epidemia. PODERIA. Mas não vai alcançar essa meta por algumas razões: 1. Nosso ethos tende a não seguir rigidamente as normas; somos um povo muito voltado para as transgressões; 2. A sociedade, mesmo apoiando com força o isolamento social, não age como impõem as regras. Em alguns espaços, até parece que o povo está gozando férias, indo às praias, fazendo festinhas; 3. O presidente da República, ele mesmo, funciona como aríete do escudo de defesa. Defende o fim do isolamento, com exceção da população idosa. E muita gente leva em conta a garantia de Bolsonaro de que só a volta ao trabalho evitará a ruína do país.
Crise política
Há uma crise política que acaba corroendo o esforço sanitário. Essas duas ondas – a favor e contra o ministro Luiz Mandetta – se chocam, geram atritos e certamente criam um impacto negativo nos quadros de vanguarda que estão à frente da batalha. Mandetta conta com maciço apoio social, mas ao ser comandado por um governante que não aprova sua conduta, sente-se inseguro. Bolsonaro pôs o ministro na panela e o caldo, já quente, pode entornar. Felizmente, o ministro tem o apoio de colegas importantes do Ministério, com exceção da “corte de bajulação”, formada por figuras de comportamento polêmico.
E esse Weintraub, hein?
Esse ministro da Deseducação, Abraham Weintraub, deveria ser submetido a um teste psicológico. Como é que um sujeito como ele faz gozação com os chineses, ironizando sua maneira de falar português? Ora, e logo no momento em que o Brasil carece importar produtos chineses para a batalha contra o coronavírus? Não bastasse a gafe – a deselegância do deputado Eduardo Bolsonaro – , cometida há dias contra a China, agora esse ministro que aprecia deseducar aparece com mais uma brincadeira de mau gosto contra o nosso maior parceiro comercial. E o que diz seu chefe, o presidente? Nada. O que significa que apreciou a brincadeira. Até quando o Brasil vai suportar tanta insanidade?
O pico da crise
Projeta-se para o final deste mês de abril o pico da pandemia. São Paulo teria, segundo cálculos de especialistas, cerca de 1.300 mortos. O que se observa é que os atuais números se referem aos habitantes do meio da pirâmide, o habitat das classes médias. E quando as margens entrarem fortes no circuito? Será uma avalanche? Haverá leitos para abrigar as ondas das margens? A curva já estaria achatada de forma a disponibilizar leitos em UTIs? E a tal da segunda onda? Já estamos convivendo com ela?
A nova ordem
O termo começa a se espalhar: o mundo implantará uma Nova Ordem que mudará o vértice de costumes e modos, relações entre nações, universo do trabalho, parcerias estratégicas, pesquisas nas áreas das ciências, tecnologia e biotecnologia, turismo, imigração, redefinição de papéis sociais das organizações, redefinição de políticas sociais, o mundo do teletrabalho, o nacionalismo, as redefinições partidárias, o presidencialismo e o parlamentarismo, a proteção de fronteiras, as forças de segurança, os novos alcances dos organismos internacionais, ocidentalismo x países asiáticos, os conflitos comerciais entre as grandes potências, entre outros temas. A Nova Ordem nasce no horizonte de um Novo Tempo.
Sequência de crises
Fareed Zakaria é uma boa referência de colunista em The Washington Post. Ele prevê uma constelação de crises. Esta é a crise sanitária. Devastadora. A próxima é a econômica. Ligeiro pano de fundo: os EUA já perderam 10 milhões de empregos, superando os 8,8 milhões de 2008/2010, ciclo da recessão. Depois, teremos a crise do endividamento. Muitos países, a partir dos europeus, entrarão em colapso fiscal. A Alemanha sofrerá uma contração de 5%. Na sequência, a crise dos países em desenvolvimento. Serão atingidos com violência e empurrados para a Grande Depressão. Inclusive, o Brasil. Ao pano de fundo, os países do petróleo. O barril, hoje em torno de US$ 65, pode vir abaixo de US$ 15. Um desastre, eis que as empresas produtoras só conseguem lucrar com o barril acima de US$ 65.
Endividamento
O endividamento público e privado subirá às alturas. Com o PIB global de US$ 90 trilhões, o endividamento chegará a US$ 260 trilhões. EUA e China apresentarão dívidas a taxas do PIB de 210% e 310% respectivamente. Mais um pano de fundo: a cooperação global entrou em colapso. China e EUA vivem estado de tensão. A União Europeia às voltas com quedas graves no mercado acionário. Melhoria no horizonte cinzento? Sim. Quando as Nações tomarem consciência da necessidade de maior cooperação com a descoberta e tratamentos eficazes e vacinas. E, claro, a partir da reabertura das economias.
Perfis em crescimento
Ronaldo Caiado, em Goiás; João Doria, em SP; Wilson Witzel, no RJ; governadores do Nordeste; quadros médicos que estão no campo de batalha contra o coronavírus; empresas e empresários que fizeram e fazem doações; laboratórios e instituições que pesquisam vacinas contra a pandemia; Rodrigo Maia, presidente da Câmara e Davi Alcolumbre, presidente do Senado; imprensa, com destaque para alguns colunistas; o bom humor de alguns blogs.
Perfis em baixa
Alas radicais da política, que se digladiam nas redes sociais; teia de robôs a serviço do ódio; certos ministros que não acertam o passo aos novos tempos; gente treinada para produzir fake news e versões estapafúrdias.
Invasões
Pode haver algum tumulto, mais adiante, face à ameaça de desabastecimento no setor de alimentos. Mas esse cenário é pouco provável se a produção retomar seu fluxo. Urge lembrar que a indústria continua a funcionar. Poderia haver barulho grande se categoria como a dos caminhoneiros fechar as estradas.
Legislativo e Judiciário
Esses dois Poderes têm se adaptado à dinâmica da crise. A ação via internet joga os poderes no centro do mundo digital. Parlamentares e ministros deveriam aproveitar para refletir sobre seu trabalho nos dias de amanhã.
Renúncia do prefeito
O povo de Varginha/MG está atento. O prefeito Antônio Silva (PTB) assinou decreto permitindo a retomada do funcionamento do comércio durante a atual pandemia do coronavírus. O povo reagiu. Foi intensa a repercussão negativa. O prefeito ficou no canto do ringue. E renunciou ao cargo. O povo brasileiro expande o vigor crítico. Lição para o presidente Jair.
Títono
“Formosa fábula, a que se conta de Títono. Estando por ele apaixonada, a Aurora, desejosa de lhe gozar a companhia, implorou a Júpiter que seu amado jamais morresse. Mas, em seu açodamento, esqueceu-se de acrescentar à súplica que ele também não padecesse as agruras da idade. De modo que Títono se viu livre da condição mortal. Sobreveio-lhe, porém, uma velhice estranha e miserável, como a que toca aqueles a quem a morte foi negada e que carregam um fardo de anos cada vez mais pesado. Então Júpiter, condoído, transformou-o finalmente em cigarra”.
(Francis Bacon, A Sabedoria dos Antigos)
Livro Porandubas Políticas
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CARTILHA MOSTRA PASSO-A-PASSO PARA ACESSO A LINHAS DE CRÉDITO VOLTADAS AO TURISMO PAULISTA
CARTILHA MOSTRA PASSO-A-PASSO PARA ACESSO A LINHAS DE CRÉDITO VOLTADAS AO TURISMO PAULISTA
Iniciativa da Secretaria Estadual de Turismo visa ajudar empresas do setor a amenizar os efeitos da crise motivada pela Covid-19Em meio aos efeitos da crise motivada pelo coronavírus, a Secretaria de Turismo do Estado de São Paulo lançou nesta segunda-feira (6) uma cartilha com orientações para facilitar o acesso de empresas do setor a linhas de crédito oferecidas por instituições financeiras.
Algumas destas instituições, como BNDES, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, já eram parceiras da Secretaria no Programa de Crédito Turístico, lançado em setembro do ano passado com a Desenvolve SP. Neste ano, o projeto também ganhou as parcerias do Banco do Povo, do Sebrae e da Invest SP.
Inicialmente, o programa foi criado para melhor estruturar os destinos turísticos por meio de planos de investimentos do setor público e projetos do setor privado, levando maior desenvolvimento econômico, criação de empregos e geração de renda a todo o estado.
Com a evolução da pandemia e seus impactos, a Secretaria decidiu mudar o foco das ações do programa para ajudar o setor a atravessar este período, facilitando o acesso aos bancos para obter recursos de capital de giro e cobrir despesas fixas e operacionais das empresas – salários, fornecedores, taxas, aluguéis, condomínios, entre outras.
Além dos bancos parceiros oficiais da Secretaria, a cartilha apresenta soluções de bancos privados, cooperativas de crédito e fintechs que atendem ao setor no estado de São Paulo.
Todas as soluções de crédito mostradas na cartilha permitem acesso digital e online, sem necessidade de deslocamentos presenciais até uma loja ou unidade física. A análise dos pedidos de crédito é feita exclusivamente pelas instituições financeiras.
https://www.turismo.sp.gov.br/publico/noticia.php?codigo=1766
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Porandubas Políticas | Por Gaudêncio Torquato – 01/04/2020
Abro a coluna com algumas questões que estarão no ar nos próximos tempos:
1. Quais são as grandes lições trazidas pela pandemia do covid-19?
2. Como serão as relações internacionais nos tempos do amanhã?
3. A globalização tende a ceder espaços ao nacionalismo e fechamento de fronteiras?
4. Como serão tratados os refugiados?
5. Que ferramentas da democracia serão aperfeiçoadas?
6. A família, como célula mater, ganhará destaque na nova paisagem?
7. Quanto tempo o mundo terá para recuperar perdas nos PIBs das Nações?
8. O mundo do trabalho será bem diferente do que temos hoje?
9. A China tomará o lugar dos EUA como primeira potência econômica?
10. E quais as áreas das ciências e da tecnologia ganharão grandes avanços?
Diego e o mar
“Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava frente a seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
– Me ajuda a olhar!
(Eduardo Galeano, O Livro dos Abraços)
Crise dentro da crise
Alastra-se uma crise dentro da crise da pandemia. E o presidente da República é o fator gerador. Ele defende o isolamento vertical – apenas dos idosos – e volta às atividades das pessoas abaixo de 60 anos. Seu ministro da Saúde, Luiz Mandetta, seguindo recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), defende o isolamento social, afastamento de todos das ruas, forma que tem sido adotada pelas Nações mais poderosas do mundo. Como um ministro tem visão diferente? Por usar critérios científicos e racionais. Como um presidente vai na onda contrária? Por temer, diz ele, uma convulsão social, com saques a supermercados e lojas, se houver desabastecimento do mercado.
Moro e Guedes
E o que pensam os dois ministros mais afamados (antes do Mandetta), Sergio Moro, da Justiça e Segurança, e Paulo Guedes, da Economia? Mostram-se favoráveis ao isolamento social, na linha divergente da defendida por Bolsonaro. Já o entorno militar, conforme se pode depreender da nota feita pelo assessor do GSI, general Vilas Bôas, ex-comandante do Exército, apoia a abordagem de Bolsonaro. O empresariado está dividido. As redes sociais, idem, mas o teor crítico ao presidente tem se mostrado mais forte. As bases bolsonaristas se agitam para responder à onda negativa. Uma questão levantada: se até o ídolo Donald Trump teve que recuar e estender o isolamento social até 30 de abril, porque seu pupilo, Jair, não faz o mesmo? Birra.
Encurralado
O fato é que o presidente parece um animal acuado. E como é previsível numa fera cercada por outros animais, tende a atacar. Agirá com a síndrome do touro: pensa com o coração e ataca com a cabeça. Quem levará a melhor? Ele tem a arma capaz de matar: a caneta. Pode simplesmente dizer: “quem manda sou eu. Vocês estão fora”. Fácil, não? Difícil. Muito difícil. Tirar um ou dois ministros nesse momento seria jogar um tonel de pólvora na fogueira. Mesmo sem clima para impeachment, o tema agitaria a esfera congressual. O país, já tenso, veria o fogo aumentar. E não espere Bolsonaro que as massas acorrerão para salvá-lo. Movimentos pequenos, certamente.
Para onde vamos?
Eis o X do problema. Uma linha com o mínimo consenso tem de ser encontrada. Bolsonaro pode simplesmente lavar as mãos se continuar com as perdas que seu governo registra no Judiciário, onde o STF tende a dar ganho de causa a governadores e prefeitos, entendendo que cabe a essas esferas o poder de decidir sobre isolamento, a partir da área técnica federal, concentrada no Ministério da Saúde. Temos duas, no máximo, três semanas para vermos o desfecho dessa pendenga. O pano de fundo para a vitória dessas linhas de ação será o próprio cenário nacional e internacional da pandemia. Bolsonaro, a essa altura, surge na paisagem das Nações como o governante mais destrambelhado da atualidade. Não será fácil redecorar sua imagem.
E a economia?
Há uma parcela ponderável de pensadores – empresários, economistas, comerciantes – que sinalizam a necessidade de se cuidar da economia. Não deixar que o remédio se transforme em veneno. Daí a urgência em amparar os setores mais frágeis, os trabalhadores informais, o pequeno comércio, os prestadores de serviços. Sem produtos essenciais no mercado, os consumidores poderão criar uma rebelião. Uma catástrofe dentro da catástrofe. Daí a necessidade de adotar o bom senso. As duas vertentes – saúde do povo e saúde da economia – podem ser trabalhadas simultaneamente. Não são excludentes. O importante é que o STF e o Congresso já deram sinal verde para se gastar o que for necessário, saindo da Lei da Responsabilidade Fiscal.
São Paulo
O governador João Doria, de São Paulo, está praticamente voltado para administrar a pandemia no Estado. Todos os dias, em regime de mutirão permanente, faz reuniões, libera recursos, inspeciona hospitais de campanha que estão sendo instalados sob a ordem de urgência, dá entrevistas coletivas, em total transparência. Tem sido bastante elogiado por sua agilidade e conjunto de medidas adotadas. Trabalha em consonância com o prefeito Bruno Covas, que já transferiu sua cama para o próprio gabinete na prefeitura. O que provoca por parte dos adversários ataques com a sordidez das emboscadas. Cenas ocorridas há muitos, do tempo em que Doria dirigia a Embratur, mentiras e versões maldosas. A fábrica de destruição de reputações, alimentada por figuras plantadas no centro do poder, trabalha as 24 horas do dia.
Rio de Janeiro
No Rio de Janeiro, o governador Wilson Witzel também lidera o exército de combate à epidemia. Inclusive, mostra-se disposto a estender a quarentena. Vê-se ali uma clara divergência entre o prefeito Marcelo Crivella e o governador. O prefeito alia-se ao presidente Bolsonaro e a seus filhos.
Minas Gerais
Uma dúvida é sobre o que pensa o governador de MG, Romeu Zema. Foi o único do Sudeste que não assinou um documento encaminhado ao governo Federal. Nos últimos dias, deu sinais de recuo e tende a concordar com o isolamento social.
Nordeste
Já os governadores do Nordeste estão unidos nas estratégias e ações. Fecharam posição a favor do isolamento social e pleiteiam recursos do governo Federal. A poderosa bancada nordestina oferece respaldo ao conjunto de governadores.
Bruno, sensível aos empregos
O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, decidiu manter os serviços de limpeza na cidade, por entender que eles propiciam enorme contribuição ao combate à disseminação da pandemia do novo coronavírus, além de manter a empregabilidade e a renda de milhares de pessoas das classes sociais menos favorecidas. Por isso, o SEAC (Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação no Estado de São Paulo), ao lembrar que o setor é o maior fomentador de emprego e renda do país, encaminhou um documento com os agradecimentos à sensibilidade do chefe da municipalidade.
Fantasma do desemprego
Diz o texto, assinado por Rui Monteiro e Carlos Guimarães, respectivamente presidente e vice-presidente do sindicato: “a atividade tem enfrentado dificuldades severas para a manutenção do emprego e renda de seus colaboradores em decorrência da decretação de confinamento da população, que vive um isolamento social jamais presenciado. Reconhece que esse isolamento é indispensável para o combate à pandemia e causa danos severos à população paulista, não apenas pela contaminação e suas consequências à saúde, mas também pelo fantasma do desemprego e ausência de renda para o sustento das famílias”. Ressalta que o prefeito determinou a manutenção regular dos pagamentos dos contratos, como medida a contribuir para a manutenção do maior volume de empregos, evitando demissões em larga escala.
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Artigo Gaudêncio Torquato l O JOGO DO CAPITÃO
O JOGO DO CAPITÃO
GAUDÊNCIO TORQUATO
A politização da pandemia era bastante previsível por esses nossos trópicos. Afinal, a tensão que alimenta as correntes pró e contra o governo Bolsonaro é detectada no radar da política desde os idos eleitorais de 2018, e o comportamento açodado do chefe do Estado, nos últimos tempos, tem funcionado como lenha na fogueira. A esta altura, não há arquitetura diplomática que consiga conciliar as duas visões que impregnam o pensamento nacional.
De um lado, a banda da intelligentzia, liderada por cientistas e especialistas, que recomenda a rígida quarentena com ênfase nas pessoas com mais de 60 anos, e, de outro, a ideia de abrir o portão travado da economia, com a volta ao trabalho daqueles que não estão na área de risco, pressupondo, ainda, a abertura das escolas e das atividades produtivas.
A primeira linha é compartilhada pelas principais lideranças mundiais, governos e instituições, a partir da Organização Mundial da Saúde; a segunda tem na vanguarda de defesa o nosso presidente Jair Bolsonaro. Que quer jogar um jogo usando suas próprias regras. Até sua fonte de inspiração e exemplo, Donald Trump, teve que recuar de sua posição inicial – de considerar passageiros os efeitos do Covid-19, e aceitar o regime de quarentena nos Estados Unidos, que agora se transformam em epicentro da pandemia.
A tese de que a economia fechada pode ser pior que fechar a população em suas casas é polêmica, mas a maior parte dos pensadores, incluindo os economistas, aponta como absoluta prioridade a luta para “salvar vidas”. Deixemos a discussão para os especialistas e vejamos o que poderá ocorrer ao país na roça da política, a partir das duas correntes que continuarão a pelejar na arena da disputa político-eleitoral.
Primeiro, é fato que o presidente Bolsonaro perde razoável parcela de seu vetor de forças. Os governadores fazem um cerco a ele. Os seus 30% de votos dão sinais de arrefecimento. Já não teria hoje 57 milhões de eleitores. Seus exércitos nas redes sociais já não mostram o sentido aguerrido dos primeiros meses de governo. Segundo, fortes parcelas das classes médias, que nele votaram, se distanciam de um discurso cada vez mais assombrador. Terceiro, o Congresso, mesmo disposto a aprovar as pautas de interesse do Executivo, sob a sombra aterradora do coronavírus, tende a agir com independência. Os presidentes do Senado e da Câmara, Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia, fizeram duros pronunciamentos sobre a manifestação presidencial tratando da crise pandêmica.
O capitão não dá sinais de que vai mudar de ação ou de expressão. Os generais que o cercam com ele se alinham, mesmo com imenso esforço para interpretar o que ele disse. O vice Mourão até tentou dizer que ele teria se comunicado mal ao ser contra a quarentena. Ora, é contra mesmo. O ministro da Saúde, Henrique Mandetta, também tentou driblar o verbo para não desdizer o chefe. O chamado gabinete do ódio, com presença dos olavistas e do filho Carlos, é quem dá o tom do discurso presidencial.
O nó está feito. Quem poderá desatá-lo? Apenas o desfecho da crise contém a resposta. Se a curva da morte continuar a subir em escala progressiva e acelerada, os defensores de rígida quarentena elevarão sua expressão. A recíproca é verdadeira. Portanto, o resguardo da imagem presidencial está a depender da evolução – negativa ou positiva – da crise.
Os governadores, unidos na guerra contra a pandemia, poderão se transformar em grandes cabos eleitorais das eleições de outubro ( se não forem adiadas sob o calor de uma luta que deixará marcas profundas no corpo nacional). A esfera política tenderá a agir com pragmatismo. Nesse caso, mais adiante, levarão para a balança os pesos a favor e contra Bolsonaro. E se este continuar a acirrar a animosidade, terá contra ele a maioria do Parlamento. Será muito difícil ao presidente subir ao pódio de 2022 caso continue a apostar no confronto com alas contrárias e a repudiar as pressões dos conjuntos parlamentares. Claro, 2021 poderá apresentar um PIB de índice mais elevado. Esta será a esperança do capitão. Que já pode inserir 2020 em seu arquivo de tempos perdidos. Mesmo com o jogo ainda no primeiro tempo, sua posição já está reservada na galeria dos líderes mais estrambóticos do planeta.
Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação – Twitter@gaudtorquato