Politica
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Porandubas Políticas – Por Gaudêncio Torquato – 04/12/2019.
quarta-feira, 04 de dezembro de 2019
Para abrir a coluna, duas historinhas de Churchill.
Sou o chefe dele
O General Montgomery estava sendo homenageado, pois venceu Rommel na batalha da África, na 2ª Guerra Mundial. Discurso do General Montgomery:
– “Não fumo, não bebo, não prevarico e sou herói”.
Churchill ouviu o discurso e com ciúme, retrucou:
– “Eu fumo, bebo, prevarico e sou chefe dele”.
Se houver…
Telegramas trocados entre o dramaturgo Bernard Shaw e Churchill, seu desafeto. Convite de Bernard Shaw para Churchill:
“Tenho o prazer e a honra de convidar digno primeiro-ministro para primeira apresentação de minha peça Pigmaleão. Venha e traga um amigo, se tiver“.
Resposta de Churchill:
“Agradeço ilustre escritor honroso convite. Infelizmente não poderei comparecer à primeira apresentação. Irei à segunda, se houver“.
América Latina sob tensão
A AL abrange 20 países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. A região vive um ciclo de tensões. A sensação é a de que, após anos e anos de mesmice, com as demandas populares desatendidas, as populações decidiram reagir. É verdade que a situação do continente deixa ver uma crise crônica. Mas esta parece chegar ao ponto de quebra. Há uma vontade latente de passar uma borracha nos velhos costumes, tirar perfis carcomidos da moldura e pintar a paisagem de novas cores. Essa percepção tem sido comum na radiografia de diversos territórios.
México e Nicarágua
Países experimentaram mudanças, mas estas não foram suficientes para preencher as lacunas. Vejamos alguns países. O México vive em estado de tensão com os EUA: a questão migratória e a questão das drogas. O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, alerta os Estados Unidos que não permitirá que estrangeiros armados atuem em seu território. O anúncio responde à declaração do presidente Donald Trump de que passaria a considerar os cartéis mexicanos como “terroristas”. A Nicarágua vive sua pior crise em décadas. Os conflitos de rua são permanentes.
Bolívia e Chile
A Bolívia, que trouxe Evo Morales para o centro da cena, passa por um processo de mudança. O descendente de índio comandou um período de conquistas, com PIB crescendo, inflação sob controle, populações indígenas inseridas na mesa do consumo. Mas a temporada de Morales foi longa: 13 anos. Chegou à saturação. Um quarto mandato, com eleições sob suspeita, acabou minando seu prestígio. Foi induzido a renunciar. O Chile, desde 1990, alterna o poder entre Michelle Bachelet e Sebastián Piñera, centro-esquerda e centro-direita. O último curto circuito foi fruto de um aumento de 3,7% nas tarifas de metrô. Os jovens acorreram às ruas. O governo de Piñera estava distante dos sentimentos populares. A mobilização popular pede mudanças.
Colômbia, Equador e Argentina
Acumulam-se frustrações aqui e alhures. A Venezuela é um caos sob a ditadura de Maduro. Na Colômbia, a tensão atravessou as últimas duas décadas. O último governo de esquerda foi o de César Gaviria, entre 90 e 94. Hoje, Iván Duque, de direita, tenta arrumar a administração, enfrentando greves, protestos, sob uma teia crescente de violência. O Equador viu crescer os movimentos populares contra as medidas de ajuste. Na Argentina, o presidente Mauricio Macri não conseguiu fazer reformas, enquanto a fisionomia econômica do país se desmancha. A eleição de Fernández e Cristina Kirchner sinalizam a volta de fundamentos macroeconômicos que não deram certo. Lembre-se que Nestor e Cristina desmantelaram a economia. Para piorar, as perspectivas de assinatura do acordo entre UE e o Mercosul não são muito otimistas. Os Parlamentos de todos os países membros terão de ratificar o acordo. O bloco europeu tem 28 membros. E alguns Parlamentos têm duas casas congressuais.
O caso do Brasil
Podemos dizer que o ciclo contemporâneo do Brasil moderno começa com o Plano Real, nos idos de Itamar e FHC, que fechou a torneira da alta inflação e de juros na estratosfera. O poder aquisitivo da população passou a somar ganhos. O programa de privatização reforçou a economia. Já a política econômica ortodoxa do primeiro governo Lula foi bem-sucedida em reduzir a inflação e em retomar o crescimento econômico, nos dizeres de Paulo Hartung, Marcos Lisboa e Samuel Pessoa, em denso artigo – “O populismo está solto” – no caderno Ilustríssima(FSP. 1/12/2019). Mas nos anos seguintes foi um desastre.
Semelhança com o regime militar
Os três economistas são enfáticos: “A gestão Lula, nos anos seguintes, (acabou) revelando semelhança entre as políticas econômicas da direita e da esquerda. Ambas acreditaram que a disseminação de estímulos à produção local conduziria ao crescimento econômico sustentado. Ambos legaram um país com contas públicas desorganizadas e uma crise econômica anunciada. Todos os grandes projetos iniciados pelo 2º governo Lula fracassaram. Ele passou o bastão para Dilma, deixando como herança obras de infraestrutura caras, muitas vezes inoperantes, e empresas ineficientes, em meio a impressionante desperdício de recursos públicos. Nada diferente do que ocorrera com os delírios do período militar“. Resultado: o populismo foi o que resultou no fortalecimento da extrema-direita. Fortalecimento que vingou em todo o ciclo Dilma.
Direita envergonhada
Hoje, o país registra a feição de uma direita cada vez disposta a defender seu ideário. Lembremos como isso se deu. A partir do golpe de 1964, o ciclo da direita contemporânea ganha força. Podemos dizer que ela deu as caras até a abertura do período da redemocratização, nos meados dos anos 80. Assume sua fisionomia conservadora nos costumes, formando sua identidade no combate ao comunismo (tempos de CCC – Comando de Caça aos Comunistas, Marcha da Família com Deus pela Liberdade), na censura à liberdade de expressão e às artes, na repressão e até na violência. O medo grassava em todos os ambientes. Ao se abrir o universo da locução, a direita começa a fechar a cara, encolhendo-se, usando máscaras, arquivando o velho manto, tentando disfarçar antigas posturas. A direita tornou-se envergonhada.
A redemocratização
No governo Sarney (15 de março de 1985 a 15 de março de 1990), o país reencontra-se com o ideário da liberdade. Registra-se um crescimento de 22,72% do PIB (média de 4,54%) e 12,51% da renda per capita, iniciando o governo com uma inflação em 242,24% e, ao fim, deixando o absurdo índice de 1972,91%. Abre-se o universo da locução. Em 1º de fevereiro de 1987 tomou posse a Assembleia Constituinte, responsável por formar a nova Constituição, sob o comando de Ulysses Guimarães (PMDB-SP). A CF de 1988 assegurou diversas garantias constitucionais, com o objetivo de dar maior efetividade aos direitos fundamentais, permitindo a participação do Poder Judiciário sempre que houver lesão ou ameaça de lesão a direitos. O texto refletia as pressões dos diversos grupos da sociedade, interessados na definição de normas que os beneficiassem.
Collor e FHC
O sucessor de José Sarney, Fernando Collor de Mello, deu passos avançados na abertura da economia. Mas seu governo surpreendeu o país com grandes sustos, a começar pelo sequestro das poupanças privadas. A linguagem barroca da ministra Zélia Cardoso de Mello gerou imensas babéis na sociedade. Collor acabou renunciando para não receber o impeachment. O governo seguinte, de Itamar Franco, pode ser colocado no ciclo do resgate de valores fundamentais ao país. A moralidade foi um deles.
O Plano Real
Mas o tom maior foi dado pelo Plano Real. Fernando Henrique Cardoso, convocado para chefiar a área da Fazenda, pilotou o plano. Escolhido candidato a presidente, fez a mais exuberante campanha eleitoral dos últimos tempos, com recursos avançados de cinematografia. Ganhou bem. Era o mais preparado contra o metalúrgico Lula da Silva.
Ousadia
“Desde o condutor dos transportes e o tocador de tambor até o general, a ousadia é a mais a nobre das virtudes, o aço verdadeiro que dá à arma o seu gume e brilho“. (Clausewitz, em Da Guerra)
Lula e Dilma
FHC partiu para o segundo mandato, sob os auspícios do sucesso do plano de estabilidade da moeda. Ganhou novamente. Inseriu o país em uma rígida estrutura monetarista e de sólidos vínculos com o Fundo Monetário Internacional, enfraquecendo o setor social, deixando de dar a ele programas para a satisfação da população. Então, surgiu Lula, com tudo que o brasileiro queria em termos de simbologia: pobre, esforçado, perdedor de várias batalhas, determinado, perseverante, o mais completo perfil embalado com o selo da esperança. Lula ganharia de qualquer maneira, sendo o mais popular dirigente das últimas décadas. Lula escolheu Dilma como candidata, que, eleita, concluiu a partidarização do Estado, iniciada sob a sombra do tutor. O populismo foi escancarado.
Direita assume a cara
O ressentimento de contingentes com a esfera política, a volta da classe C à base da pirâmide, a violência expandida, as metrópoles congestionadas, aumentos de tarifas e alta carga de tributos formaram uma densa camada de indignação, que teve um desfecho em outubro de 2018. Tivemos uma eleição de quebra de paradigmas. Dinheiro, visibilidade na mídia, apoio de grandes partidos, nada disso funcionou. O resultado foi a eleição de um ex-capitão do exército, deputado por 27 anos, considerado um parlamentar do baixo clero, com linguagem desabrida e mal educada, defensor dos tempos de chumbo. Jair Messias Bolsonaro. (Para muitos dos seus apoiadores, ele é mesmo o “Messias”).
E mais a facada
A ampla rede de apoios que ganhou, em 2018, foi reforçada com uma facada que levou durante uma manifestação de rua em Juiz de Fora. Tornou-se vítima. Em torno dele, agrupa-se toda a direita, agora com a face totalmente descoberta e vibrando com sua expressão militarista e extremamente conservadora.
Quem é direita?
A direita pode ser dividida em dois núcleos: a) a extrema – direita radical, com posicionamentos duros sobre armas, políticas de cotas, aborto, valores cristãos, diversidade de gêneros etc.; b) a direita mais central, com defesa de padrões e valores conservadores, sem exageros e até com críticas a posturas de figurantes do seu núcleo. Esses agrupamentos são formados por proprietários rurais, grandes e médios empresários de setores diversos, evangélicos, grupos de profissionais liberais (uma parcela decepcionada com a esfera política), grupos ligados a movimentos messiânicos, entre outros. A tendência aponta para a expansão de alguns compartimentos, principalmente se o governo Bolsonaro for bem-sucedido.
E esse perfil?
Como classificar, por exemplo, esse perfil? O maestro Dante Mantovani, recém-anunciado como o novo presidente da Funarte (Fundação Nacional de Artes), afirma que o fascismo é de esquerda, fake news é um conceito globalista para impor a vontade da imprensa, Unesco é “máquina de propaganda em favor da pedofilia”. E mais: “vieram os Beatles, para combater o capitalismo e implantar a maravilhosa sociedade comunista”.
E esse, então?
O nome do novo presidente da Fundação Biblioteca Nacional é Rafael Alves da Silva, mas se apresenta como Rafael Nogueira. Olavista de carteirinha, diz ser “professor de filosofia, história, teoria política e literatura, aspirante a filósofo e a polímata”, a pessoa que tem conhecimento em muitas ciências. O mais ilustre polímata da Humanidade foi Leonardo da Vinci. Simpatizante da monarquia, Alves da Silva (ou Nogueira) escreveu no dia 15 de novembro: “A Proclamação da República foi um golpe militar improvisado e injustificável. O Brasil nunca mais se encontrou. Nada a comemorar“.
Um espanto
A nova ordem cultural brasileira, sob o comando do secretário Roberto Alvim, inclui também o jornalista Sérgio Nascimento de Camargo, um negro, para a Fundação Cultural Palmares, órgão de promoção da cultura afro-brasileira. Um espanto. Antes de ser nomeado, ele classificou o racismo no Brasil como “nutella”: “A escravidão foi benéfica para os descendentes“. Outra: “Racismo real existe nos Estados Unidos. A negrada daqui reclama porque é imbecil e desinformada pela esquerda“. Em redes sociais, afirmou que “sente vergonha e asco da negrada militante. Às vezes, pena. Se acham revolucionários, mas não passam de escravos da esquerda“. Seu chefe Alvim foi o que classificou a atriz Fernanda Montenegro de “intocável” e “mentirosa”. Um espanto.
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Porandubas Políticas – Por Gaudêncio Torquato – 13/11/2019.
quarta-feira, 13 de novembro de 2019 Abro a coluna relembrando um “causo” de Pernambuco.Só expectoranteReunião de vereadores com o chefe político da região numa pequena cidade de Pernambuco. Cada um podia falar sobre os problemas do município, reivindicações, sugestões, etc.. Todos falaram alguma coisa, com exceção de um deles, meio acabrunhado no canto da sala. O chefe político cobrou dele a palavra:– E você, amigo, não tem nada a dizer?O vereador, tonto com a provocação, não teve saída. Respondeu:– Não, doutor, tou apenas expectorante.Gargalhada geral.(“Causo” do Marco Maciel com relato de Geraldo Alckmin.)Ganha-ganhaAbre-se a temporada do jogo do ganha-ganha. Lula ganha, Bolsonaro ganha. A saída de Lula da prisão insere o país na arena das contendas de 2020 e 2022. Reforça as posições dos extremos. Acirra o ânimo das alas que já estão armadas e prontas a desembainhar as espadas. As estocadas entre lulopetistas/oposicionistas e bolsonaristas pipocam todos os dias nas redes, e tendem a engrossar com os rompantes das expressões dos comandantes Luiz Inácio e Jair Bolsonaro. Claro, com o reforço dos assessores, do tipo Gleisi Hoffmann e José Dirceu, de um lado, Sérgio Moro e os filhos do presidente, de outro.Nova caravanaLula já reabriu o palanque no discurso da soltura em Curitiba, e no Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo. Ambos com toques de virulência. Aliás, ele prometeu sair da prisão mais à esquerda. Dirceu complementou: cabe ao PT retomar o poder. Portanto, o jogo está traçado. Lula surpreendeu pela contundência. Voltou mais feroz. E José Dirceu volta a pregar o ideário socialista (Que modelagem, Zé?). Não se espere recuo desses exércitos em prontidão.Nordeste abre jornadaLula vai inaugurar uma nova corrida ao país, começando por Recife, no próximo dia 17. O Nordeste é onde ele tem maior popularidade. Região que espera dominar eleitoralmente, a partir de seu Estado, Pernambuco. O NE vive momento calamitoso com as praias inundadas de óleo. Lula vai tocar no assunto? P.S. Bolsonaro até hoje não foi ver a tragédia.Margens para o centroA estratégia de Luiz Inácio é clara: comer pelas bordas, ou seja, das margens para o centro. É uma estratégia adequada, principalmente em face da situação de miséria em que vive grande parcela da população. O IBGE acaba de mostrar os dados da desigualdade que aumenta. Claro, culpa de recessão da economia provocada pelo governo Dilma. Mas Lula, esperto, já manjou: o ataque é melhor que a defesa. E joga a culpa no atual governo. A economia anda de maneira lenta. O desemprego cede pouco. A informalidade é geral. Já o desemprego expande índices de carência e violência.Sudeste racionalLula começará a mobilizar seus exércitos pelo Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Deixará o Sudeste para mais tarde. São Paulo é, por excelência, o polo mais contrário ao lulopetismo. Agrega as maiores classes médias, os maiores contingentes de formação de opinião e os maiores conglomerados do trabalho. A capital é um nicho onde o lulismo é bastante rechaçado. Já no Rio de Janeiro, o oposicionismo tende a aceitar melhor a volta de Lula ao cenário. Já o Sul é intensamente conservador. Tende a rejeitar o lulismo.Instintivo e certeiroLuiz Inácio sabe de tudo isso. É o mais instintivo político brasileiro. E o melhor de palanque no uso de uma linguagem popular. Mexe bem com metáforas e sofismas. Adota linguagem simples e direta. Motiva as massas. Diante de uma multidão, vira estrela incandescente. Sua capacidade de sacudir o país, claro, dependerá bastante do desempenho da economia. Aliás, é esse o eixo que ele vai empregar para desarmar o palanque de Bolsonaro. Este consultor tende a opinar que o discurso mais feroz de Lula é pior para o lulopetismo. Setores médios que poderiam a ele se juntar permanecerão distantes. Mas o ex-presidente poderá amainar a expressão. A conferir.União da oposiçãoLula pode tentar um acordo com as oposições, formando uma ampla frente. É viável a hipótese? Haverá dificuldades, a partir, por exemplo, de Ciro Gomes, que deseja ser o candidato presidencial do PDT em 2022. Ciro atirou muito em Lula. E ontem voltou a atacar a “natureza de escorpião” do petismo. Ataca para matar. Será tarefa inglória a de alcançar unidade nos interesses de núcleos e grupos em que se repartem as oposições.ConchavoPremido pelos casuísmos, Tancredo Neves foi obrigado a fundir o seu PP com o MDB de Itamar. Alguns pepistas pularam do barco e protestaram alegando conchavo. Tancredo foi curto e seco: “Conchavo é a identificação de ideias divergentes formando ideias convergentes“. Tinha razão. Há curvas que desembocam em retas.A radicalização de BolsonaroAnalisemos, agora, a retórica bolsonariana. Estará recheada de apelos ao medo de eventual volta do PT ao poder. Bolsonaro precisa mobilizar sua militância e fazer maioria, agregando outros núcleos. O medo do PT poderá sustar a desagregação que vem se observando nas alas de apoio ao bolsonarismo. É patente o distanciamento que setores do meio passaram a se afastar do governo, distanciamento que ocorre na esteira de uma expressão radical sob a sombra dos tempos de chumbo. Muitos eleitores de Bolsonaro se afastaram. Por isso, o presidente precisa que Lula radicalize o discurso para ter de volta grupos que dele se afastaram. É um jogo de conveniências.Quem puxa pelo meio?Ora, parcela ponderável da população, principalmente os núcleos mais racionais, gostaria de ver um líder com um forte e brilhante discurso de centro. Quem? Até o momento, esse perfil não apareceu. O centro está disperso, difuso. Luciano Huck não possui densidade, escopo para encarnar a identidade de um presidente da República. Mas as massas o conhecem da TV. João Doria não chega às margens. É um perfil centralizador. Ele, ele e ele. Rodrigo Maia tem feito bom trabalho de articulação política, mas compõe melhor a posição de vice. Ciro Gomes é preparado, mas desbocado. Geralmente perde a estribeira e cai do cavalo no meio da campanha. Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo, tem bom lastro, mas não atrai apoios. Imagem pouco conhecida.As metadesNuma noite, às vésperas de 24 de agosto de 1954, quando se matou, Getúlio Vargas conversava, desalentado, desencantado, com José Américo de Almeida, seu ministro da Viação. Confessa:– Impossível governar este país. Os homens de verdadeiro espírito público vão escasseando cada vez mais.– Presidente, o que é que o senhor acha dos homens de seu governo?– A metade não é capaz de nada e a outra metade é capaz de tudo.Sudeste-nordesteHá muita água a correr por baixo da ponte. Mas, sob a perspectiva teórica, a construção de uma chapa reunindo o Sudeste e o Nordeste seria a ideal tanto para um lado quanto para outro. Bolsonaro terá mais dificuldades. Afinal, o que fazer do vice Mourão? Essa lógica pode ser derrubada por fatores imponderáveis como aqueles que ocorreram em 2018, a partir da facada dada por Adélio Bispo no candidato Bolsonaro em Juiz de Fora/MG.ParadigmasOutras questões se apresentarão: haverá tanta quebra de paradigma quanto o que vimos em 2018? Tempo de TV, apoio de grandes partidos, a força de recursos financeiros, a situação de perfis tradicionais, a atração por perfis novos etc.? A “meninada” eleita sob o manto do PSL continuará a ter prestígio no pleito municipal de 2020 e conseguirá segurar seus índices eleitorais até 2022? Que partidos liderarão os pleitos? Qual o papel do PT? Do Novo? Do PSOL? Do MDB? Do PSD de Kassab? Do PP de Ciro Nogueira? Do PDT de Carlos Lupi? Do PRB dos evangélicos? Do DEM de ACM Neto, Rodrigo Maia e Alcolumbre? E a disputa pelo Fundo Partidário?Novo partidoBolsonaro reúne os deputados do PSL para dizer que sairá do partido e criará outro. Possível nome: Aliança Pelo Brasil. Pretende reunir rapidamente 100 deputados na nova sigla. (Em tempo: quem se lembra da velha ARENA – Aliança Renovadora Nacional, sustentáculo do regime militar?). Bolsonaro terá de correr contra o tempo. Para fazer campanha de prefeito, a sigla terá de registrar seu estatuto no TSE seis meses antes do pleito, ou seja, até maio.Quiçá e cuícaBenedito Valadares, governador, foi a Uberaba para abrir a Expozebu. E passou a ler o discurso preparado pela assessoria. A certa altura, mandou ver: “cuíca daqui saia o melhor gado do Brasil”. Ali estava escrito: “quiçá daqui saia o melhor gado”. A imprensa caiu de gozação. Passou-se o tempo. Tempos depois, em um baile na Pampulha, o maestro, lembrando-se do famoso discurso na terra do zebu, começou a apresentar ao governador os instrumentos da orquestra. Até chegar na fatídica cuíca. E assim falou: “e esta, senhor governador, é a célebre cuíca”. Ao que Benedito, querendo dar o troco, redarguiu com inteira convicção:– Não caio mais nessa não. Isto é quiçá!(Historinha enviada por J. Geraldo).Judiciário é alvoA decisão do STF, por 6 a 5, de acabar com a prisão após condenação em 2ª instância, acirra a polarização política. Os “moristas” engrossam as críticas à Suprema Corte. Nunca se viu um tiroteio tão forte contra o altar ex-sagrado do Judiciário. Nunca se leram tantos adjetivos e imprecações contra ministros de nossa mais alta Corte. Nova frente de lutas se abre, tendo de um lado os simpatizantes da ideia de voltar a prisão após condenação em 2ª instância, com mudança no texto constitucional e os contrários. O tema estará em pauta, mas a proposta encontrará muitas curvas antes de chegar à reta final.Tensões entre PoderesO fato é que o país vive um ciclo de contundente locução. O debate abre, a cada dia, novos compartimentos. As tensões entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, mesmo sob a preocupação dos presidentes em administrar a crise, tendem a aumentar. O Poder Executivo, por seu lado, é um polo de irradiação de conflitos e que carece de simpatia dos outros Poderes sob pena de ver naufragar as pautas que sugere. Toffoli quer agradar a Bolsonaro e aos presidentes da Câmara e do Senado. Está sob o fio da navalha. A crítica social sobre seu comportamento atinge os píncaros. O fato é que tirou do colo do STF o fardo da prisão após condenação em 2ª instância.Tensão na regiãoA renúncia de Evo Morales, na Bolívia, a mobilização social no Chile, a vitória de Fernandez/Cristina Kirchner na Argentina, o rebuliço no Equador, a instabilidade no Peru, o clima de extremas carências na Venezuela e a polarização no Brasil formam, entre outros, fatores de desconfiança e desmotivação de investidores, que se retraem e passam a olhar com receio esses espaços para alocação de seus investimentos. Teria havido golpe na Bolívia? As opiniões se dividem. A esquerda, em uníssono, diz sim. Os analistas mais rigorosos falam em fraude. Evo renunciou face ao laudo da própria OEA comprovando falsificação de resultados.Esquerda/direita e vice-versaAs economias do Chile e da Bolívia vinham sendo muito elogiadas por outros países por sua macroeconomia. Crescimento vigoroso, PIB ascendente, diminuição da pobreza, mercado financeiro satisfeito e investimentos externos. De repente, uma explosão social, guerra nas ruas. Parece que os governos do chileno Sebastián Piñera e do boliviano Evo Morales, enquanto governavam para o mercado, esqueciam as carências de sua população. As reclamações do povo são quase idênticas contra os governos de direita e de esquerda dos dois países. Os dados sobre a pobreza eram mesmo confiáveis?Farta feiçãoJosé Aparecido chegou à sua Conceição do Mato Dentro/MG, começou a romaria dos amigos. Entrou um coronel, mansos passos e chapéu na mão:– Bom dia, doutor. Boa viagem?– Boa. Como vão as coisas?– Tudo correndo como de costume. Novidade aqui nunca tem e lá pra fora não sei, porque minha televisão está defeituada.– O que é que aconteceu com ela?– Não sei não. Às vez farta prosa, às vez farta feição. -
O PODER DE QUEM TEM CANETA CHEIA GAUDÊNCIO TORQUATO.
O presidencialismo de coalizão no Brasil terá vida longa? A interrogação leva em conta a propensão do atual governo em manter certa distância dos representantes políticos temendo pressão por espaços e cargos na estrutura. A esfera parlamentar, observa-se, quer ganhar proeminência e maior independência do Executivo. Aliás, nessa direção age o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ao procurar impor a pauta dos deputados e levar adiante um avançado programa reformista.Há uma premissa verdadeira, mas desprezada pelo presidente Bolsonaro: “quanto mais extensa a aliança em torno do Executivo, maior a probabilidade do governante administrar sismos nas frentes congressuais e garantir a governabilidade”. Siglas e blocos, sob essa ideia, teriam largo espaço na condução do País. Essa relação de troca tem sido medida histórica do equilíbrio entre os dois Poderes. O presidencialismo de coalizão alimenta-se da base política e esta come do seu pasto para engordar. Mas Bolsonaro considera essa hipótese como “velha política”. O presidencialismo mitigado, ou um parlamentarismo à moda francesa, até foi tentado pelo presidente Michel Temer, que, de certa forma, governou com o Parlamento. Mas o DNA do presidencialismo está bem presente em nossa cultura política. A semente presidencialista viceja em todos os espaços. O termo presidente faz ecoar grandeza, forma associação com a aura do Todo-Poderoso, com as vestes do monarca, com a caneta do homem que tem influência, poder de mandar e desmandar. Até no futebol o presidente é o mandachuva. O chiste é conhecido: como o ato mais importante da partida de futebol, o pênalti deveria ser cobrado pelo presidente.O culto à figura do presidente e, por extensão, a outros atores com o poder da caneta faz parte da glorificação em torno do Poder Executivo. Tronco do patrimonialismo ibérico. Herdamos da monarquia os ritos da Corte: admiração, bajulação, respeito e mesuras, incluindo o beija-mão. O sociólogo francês Maurice Duverger defende a tese de que o gosto latino-americano pelo sistema presidencialista tem que ver com o aparato monárquico na região. O vasto e milenar Império Inca, com seus grandes caciques, e depois o poderio espanhol, com seus reis, vice-reis, conquistadores, aventureiros e corregedores, plasmaram a inclinação por regimes de caráter autocrático. O presidencialismo por estas plagas agrega uma dose de autocracia. Já o parlamentarismo que vicejou na Europa se inspirou na ideologia liberal da Revolução Francesa, cujo alvo era a derrubada do soberano. Isso explica a frieza europeia ante o modelo presidencialista. A disposição monocrática de exercer o poder vem, no Brasil, desde 1824, quando a Constituição atribuiu a chefia do Executivo ao imperador. A adoção do presidencialismo, na Carta de 1891 – que absorveu princípios da Carta americana de 1787 –, só foi interrompida no interregno de 1961 a 1963, quando o País passou por ligeira experiência parlamentarista.Assim, o presidencialismo se eleva ao altar mais alto da cultura política. O poder que dele emana impregna a figura do mandatário, elevado à condição de protetor, benemérito. Essa imagem ganha tintas fortes no desenho de nossa cidadania. De acordo com o traçado do sociólogo Thomas Marshall, os ingleses construíram sua cidadania abrindo, primeiro, a porta das liberdades civis, depois, a dos direitos políticos e, por fim, a dos direitos sociais. Entre nós, os direitos sociais precederam os outros. A densa legislação social (benefícios trabalhistas e previdenciários) foi implantada entre 1930 e 1945, no ciclo de castração de direitos civis e políticos. Portanto, o civismo e o sentimento de participação ficaram adormecidos por muito tempo no colchão dos benefícios sociais. Imaginar que o parlamentarismo terá chance só mesmo ante uma ruptura mais acentuada entre o Executivo e o Legislativo. E com a aprovação popular. Por enquanto, temos de conviver mesmo com o fardão presidencialista. Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação – Twitter@gaudtorquatoMais análises no blog www.observatoriopolitico.org -
Amigo do papa – Por Gaudêncio Torquato.
quarta-feira, 06 de novembro de 2019 Abro a coluna com a verve paraibana. Amigo do papaRui Carneiro, raposa da política paraibana, era candidato a senador pelo PSD, em 1955. A UDN tinha apoio dos comunistas. Rui esteve na Europa, voltou, foi fazer o primeiro comício da campanha:- Paraibanos, estive em Roma com o Papa. Ele me cochichou:- Rui, se destruírem meu trono aqui no Vaticano, sei que tenho um grande amigo lá na Paraíba. Vá, dê lembranças à comadre Alice e diga ao povo que estou com você.Ganhou a eleição.(Dos imperdíveis relatos de Sebastião Nery)Cenários bolsonarianos IHá uma crise no entorno do governo. Seus vetores, entre outros, são os seguintes: 1) a acirrada expressão do presidente, com ataques à imprensa, e sempre sinalizando a existência de uma conspiração para derrubá-lo; 2) as entrevistas e ações que envolvem seus filhos que militam na política, com ênfase para a fala do 03, o deputado Eduardo, avisando que se “a esquerda radicalizar”, pode vir um novo AI-5; 3) a fumaça que não se dispersa em torno das “ligações” entre Bolsonaros, milícias e assassinato de Marielle Franco; 4) as dificuldades crescentes do governo na relação com o Congresso.Cenários bolsonarianos IIOs horizontes que se projetam sobre o pacotão do ministro Paulo Guedes no Congresso ainda carregam pesadas nuvens. A proposta, segundo o roteiro do ótimo relatório semanal da jornalista Helena Chagas, inclui: a) a PEC Mais Brasil, com previsão de distribuição de maior fatia dos royalties do petróleo a Estados e municípios; b) a PEC da Emergência Fiscal; c) a PEC para extinção dos Fundos setoriais, com exceção dos constitucionais; d) Reforma Administrativa e e) Reforma Tributária. É pouco provável que essa imensa mala de propostas atravesse sem dificuldades os corredores congressuais. A reforma tributária, então, carrega muita polêmica. Coisa para o próximo ano. A reforma administrativa encontrará intensa oposição dos servidores públicos.Cenários bolsonarianos IIIDe 0 a 10, a probabilidade de que esta carga seja aprovada pelas casas congressuais no médio prazo (incluindo os primeiros meses de 2020) é de 4 pontos. O atraso no calendário da tramitação e aprovação é um chega prá lá na boa avaliação do governo. Guedes tem o apoio de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Mas o fator de risco tem nome e sobrenome: Jair Bolsonaro. O presidente deveria pôr a mão na consciência e ponderar sobre a necessidade de administrar sua índole guerreira. E pedir comportamentos e expressões menos virulentas de sua equipe. A continuar pisando no calo de gregos e troianos, será muito difícil ao governo navegar até o porto de 2022.Cenários bolsonarianos IVSe a economia botar mais grana no bolso das margens e classes médias, até meados do próximo ano, teremos um panorama eleitoral menos turbulento. A equação BO+BA+CO+CA – Bolso, Barriga, Coração, Cabeça será um anestésico para o corpo governamental. O presidente, nesse cenário, será um grande eleitor. Terá um problema com o novo partido sob sua égide. Não haverá tempo para ser criado e estruturado de forma a ter boa performance na eleição municipal. A querela com Luciano Bivar deve continuar. A não ser que o pernambucano entregue o PSL aos domínios dos Bolsonaros.Governo eleva previsãoO governo vai elevar a previsão para o crescimento da economia em 2020. Atualmente em 2,17%, o novo número deve ficar próximo de 2,5%, mas a equipe econômica ainda não fechou a estimativa. Estudos apontam que, no final do segundo trimestre, o investimento privado cresceu 7,02%, enquanto o investimento público caiu 14,30% ante o mesmo período de 2018.Corrosão de imagemÉ clara a tendência de desengajamento de alas simpáticas e votantes no presidente Jair. Nas pesquisas, o índice de afastamento de eleitores aumenta. Nas conversas do cotidiano, expande-se a perplexidade com as barbaridades da família. Mas o bolsonarismo, por enquanto, tem ainda 1/3 dos eleitores. E é para essa comunidade mais fechada que se dirige o discurso presidencial. O presidente procura animar, mobilizar, cutucar sua tradicional base. E consegue. Por isso, seu animus animandi se inspira em coisa pensada, maturada, planejada. Atacar sempre para instrumentalizar seu exército.Slim de olho na GloboO Grupo Globo está enfrentando intensa crise. A situação geral da economia retraiu uma leva de grandes patrocinadores. As verbas publicitárias do governo sumiram. O presidente chega a ameaçar a concessão pública da TV Globo em 2022. Os altos salários do Grupo foram reduzidos depois de negociações. As versões dão conta de que o grupo de Carlos Slim estaria conversando com a Globo. Aliás, o interesse do grupo mexicano na Globo é antigo. Slim, de 79 anos, é o dono do Grupo que inclui a empresa de telecomunicações América Móvil – com presença em 25 países -, a financeira Inbursa e o Grupo Carso. É o homem mais rico da América Latina, com uma fortuna estimada em 61,6 bilhões de dólares, segundo a revista Forbes. No Brasil, Slim é dono da Claro-Net.General HelenoO general Heleno, ministro do GSI, era o mais aplaudido general quando entrou no governo. Hoje, é considerado um militar alinhado com os radicais que orbitam em torno do presidente Bolsonaro, a partir do escritor desbocado Olavo de Carvalho. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, acaba de dizer que ele é uma tuba de ressonância do chamado guru dos Bolsonaros.Animação de fim de anoHá um grupo de empresários que se anima ante as expectativas de recuperação da economia. São pequenos empreendedores dos setores de alimentação, logística e comércio. Mas há um setor que se engaja na animação: a construção civil. Impressiona o número de novos lançamentos de prédios residenciais e comerciais. São sinais positivos no meio de maré de dúvidas.Qual é a dos EUA?Afinal, o que querem os EUA com o Brasil? Após mostrar preferência pela Argentina na OCDE, pelo menos no que diz respeito a prioridades, o país de Trump acaba de vetar a carne bovina in natura do Brasil. Mais uma derrota do nosso país. E o que o amigo do peito de Bolsonaro, Donald Trump, vai dizer ao seu querido capitão? Que os órgãos de controle americanos vetaram a carne brasileira. E talvez recorra ao ditado: amigos, amigos, negócios à parte.Trump na corda bambaSe Donald Trump levar a melhor em novembro do próximo ano, Bolsonaro poderá surfar na onda da vitória dos conservadores republicanos. Mas todas as pesquisas de hoje dão vantagem aos democratas, com maior vantagem para o ex-vice de Obama, Joe Biden. Mas não será impossível nova vitória de Trump no colégio dos delegados, apesar de eventual derrota no voto popular. No partido democrata, protagonistas já se posicionam como esquerda. Esse matiz ideológico, na maior Nação liberal do planeta, provocará polêmica.A gangorra ideológicaAfinal, para onde vão a esquerda e a direita na AL? Mauricio Macri perde na Argentina. Evo Morales, na Bolívia, leva a melhor, apesar da pequena diferença para o opositor. No Uruguai, uma Frente Ampla de esquerda continua como a maior força política.O ex-presidente do Uruguai, José Mujica, mais conhecido como Pepe Mujica, acaba de se eleger senador, após ter renunciado ao cargo no Senado ano passado, quando justificou que “estava cansado da longa viagem” e se afastaria “antes de morrer de velho”. Seu partido, Movimiento de Participación Popular (MPP), que faz parte da coalizão de esquerda Frente Ampla, vai disputar a presidência em 2º turno tendo a frente o candidato Daniel Martínez, que enfrentará Luis Lacalle Pou, candidato de direita pelo Partido Nacional.Zigue-zague – INa Colômbia, o presidente Ivan Duque está em queda livre, após ser eleito em agosto de 2018. Enfrenta problemas com guerrilhas, Congresso, Venezuela e até com aliados. Eleito com 54% dos votos, Duque é o mandatário colombiano com imagem mais impopular nesse período da gestão dos últimos 20 anos. Ernesto Samper (1994-1998), Álvaro Uribe Vélez (2002-2010) e Juan Manuel Santos (em 2010) tinham mais de 60%. A esquerda de Lopez Obrador governa no México.Zigue-zague-IIEm 2013, o Chile, sob o comando de Sebastián Piñera, era o único mais à direita dos 12 países da América do Sul. Em 2018, além do próprio Chile, Argentina, Peru, Colômbia e Paraguai eram governados por presidentes de direita. Mas a cor do mapa político da região sofre mudanças. Piñera começa a enfrentar a oposição das ruas. Seu futuro é incerto.Zigue-zague – IIIEm agosto de 2015, Mario Abdo Benítez, filho do secretário pessoal de Alfredo Stroessner, que comandou o governo militar paraguaio, tomou posse como presidente. No Peru, Ollanta Humala foi substituído inicialmente pelo economista liberal Pedro Pablo Kuczynski, que renunciou. O país passou a ser presidido por Martín Vizcarra, de direita, que anunciou semanas atrás a dissolução do Congresso, dominado pela oposição fujimorista, após um dia que refletiu mais do que nunca o choque entre os poderes Executivo e Legislativo.Zigue-zague – IVA Argentina, antes comandada pelos Kirchner, viu o empresário Mauricio Macri assumir o poder em dezembro de 2015. E agora volta aos Kirchner, com Cristina, a ex-presidente na vice de Alberto Fernández. No Equador, Lenín Moreno rompeu com o ex-presidente Rafael Correa, de esquerda, de quem foi vice, e contou com seu apoio na eleição. Agora, conta com apoio de partidos de direita. Na Venezuela, Bolívia e na Nicarágua, os governos de esquerda continuam no comando.Zigue-zague – VPor nossas plagas, o governo de direita abre muita polêmica, mas não tem havido grandes manifestações de protesto. A expressão governamental é de muito açodamento. Gera questionamentos. O governo tem perdido apoios e mostra muita desarticulação na frente política. O grande teste será a eleição municipal de 2020. Tudo vai depender do sucesso do pacote econômico do governo.E o óleo vazado, hein?A linguagem está desencontrada. O presidente diz que o pior ainda está por vir. O ministro da Defesa diz que não sabe se o pior ainda virá. O fato é que o óleo cru, anunciado como de origem venezuelana, continua a bater nas praias do Nordeste. Todas as demonstrações apontam para um navio grego, o Bouboulina, de propriedade da petroleira grega Delta Tankers. Esta empresa diz que ‘não há provas’ de que o Bouboulina vazou petróleo na costa do Brasil. No comunicado, afirma que o navio não parou nem fez qualquer tipo transferência de óleo; e que não foi procurada por autoridades brasileiras e a carga chegou à Malásia ‘sem qualquer falta’. A Interpol foi convocada a entrar no caso, que deverá ter imensa repercussão nos foros internacionais. -
Artigo Gaudêncio Torquato l O SONHO DA GRANDE PÁTRIA.
O SONHO DA GRANDE PÁTRIA
GAUDÊNCIO TORQUATO
O dado é surpreendente. Cerca de 80 grupos criminosos têm algum controle sobre os presídios. Exercem o extraordinário poder de mandar matar, extorquir, comercializar drogas, enfim, expandir a violência por todo o território. A situação preocupa ante a moldura que se desenha, no caso, o fim das prisões após condenação em 2ª instância. Ah, mas a prisão provisória vai continuar, alguns argumentam. Mas a previsão é de que os cárceres ficarão ainda mais superlotados.
Hoje, já somam 337 mil os presos “provisórios”, 41,5% de todos os encarcerados. A perspectiva é a de que, acabada a prisão após condenação em 2ª instância, o país aprofunde o ciclo da prisão provisória. O que seria mais um estrangulamento no nosso sistema prisional. Pior, um retrocesso com o endosso de nossa mais alta Corte.
Generaliza-se a sensação de que o País continuará a navegar nas ondas da impunidade. Donos de lavanderias de dinheiro, exércitos do crime, bandidos de todos os espectros, flagrados com a mão na massa, continuarão leves e soltos, a confirmar a tese de que o Brasil é, por excelência, o território da desobediência explícita. Nada mais surpreende. O esculacho chega a tal ponto que os chefes dos grupos criminosos, mesmo jogados em prisões longínquas dos grandes centros, transformam o cárcere em escritórios. O Estado formal não consegue enfrentar o mando do Estado informal.
Os criminosos, aliás, têm na ponta da língua a indagação: qual a diferença entre nós e os bandidos de colarinho branco?
Ondas de terror se expandem, sob a expressão enganadora de governantes que dizem controlar grupos organizados do crime. Balela. O poder invisível, que parece festejar a barbárie que consome o País, não tem escrúpulos nem receio de mostrar a cara.
Elevam-se ao nível do poder do Estado. Só falta mesmo os grupos criminosos mobilizarem seus “exércitos nas ruas e nos cárceres” em movimentos cívicos pela punição aos “criminosos da política”.
E não será surpresa se parcela significativa da população aplaudir a bandidagem do andar de baixo contra a turma que faz zoeira no andar de cima. Afinal de contas, a passarela da criminalidade e o desfile de impunidade assumem dimensões grandiosas e formas escandalosas. O ex-juiz Sérgio Moro até imaginou que, na condição de ministro do governo, poderia agregar mais força e aumentar a estrutura para combater o crime. Ledo engano. O Legislativo, por conveniência, faz sérias restrições aos projetos do ministro.
O fato é que, ante a possível decisão do STF no sentido de acabar com a prisão de condenados em 2ª instância, corruptos e facínoras, com o mesmo status perante a lei, vão se valer dos mecanismos de protelação – recursos e embargos até eventual condenação em 3ª instância ou em última e com trânsito em julgado de suas causas.
Não é de estranhar que a anomia – o descumprimento da lei – tome conta do País. Voltaremos aos idos da Colônia e do Império. Pinço um caso do passado. Tomé de Souza, primeiro governador-geral, chegou botando banca. Os crimes proliferavam. Avocou a si a imposição da lei, tirando o poder das capitanias. Mandou amarrar um índio que assassinara um colono na boca de um canhão. Mas o tiro não assombrou os tupinambás. Não havia jeito de evitar a desordem. Foi então que apareceram as Ordenações do Reino (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas), que vigoraram até 1830. Severas, estabeleceram a pena de morte para a maioria das infrações, coisa que chegou a espantar Frederico, o Grande, da Prússia, que ao ler Livro das Ordenações, indagou: “Há ainda gente viva nas terras de Portugal?” Com o tempo, o rigor foi atenuado e o crime voltou com força.
Entre sustos e panos quentes, o Brasil semeou a cultura do faz-de-conta na aplicação das leis. E aí passamos a sofrer a doença espiritual da Nação: a indiferença da população diante de crimes mais atrozes.
Esse é o ambiente que faz florescer o poder invisível, cancro das democracias contemporâneas. O custo da violência no Brasil passa de cerca de R$ 300 milhões por dia, em cálculos feitos pelo ex-secretário nacional de Segurança Pública, coronel José Vicente. Fosse esse o único saldo negativo, o País poderia comemorar. Mas o custo emocional é impagável. Morre-se um pouco a cada dia, levando a esperança, a fé e o sonho de termos uma Grande Pátria.
Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação – Twitter@gaudtorquato
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