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    Artigo Gaudêncio Torquato l DEMÓCRITOS E HERÁCLITOS

    DEMÓCRITOS E HERÁCLITOS

    GAUDÊNCIO TORQUATO

    Demócrito e Heráclito, dois grandes filósofos, tinham concepções diferentes sobre a condição humana. O primeiro ridicularizava a vida e o homem. Só aparecia em público com um ar arrogante e zombeteiro; o segundo, ao contrário, tinha compaixão pelo ser humano, demonstrando solidariedade com seu semblante sempre entristecido e os olhos marejados de lágrimas.

    Nos últimos tempos, a índole de Demócrito tem povoado os espaços nacionais, com uma verve cheia de malícias em defesa de posições extremadas, e que resulta em um processo de flechadas recíprocas entre grupos da sociedade. Já os valores humanos são desprezados ou colocados em segundo plano. O clima de emboscada permanente que acirra os ânimos vai cada vez mais aumentando a distância entre o território, o País e a Nação.

    Expliquemos. O território é o porte continental que abriga nossas belezas e riquezas naturais. O território não tem alma, é um diamante bruto. Lapidado por leis, códigos, proces­sos, habitado por pessoas, e governado por representantes do poder popular, adquire o status de País.

    Mas a Nação continua ainda muito distante. Pois a Nação é um ente com alma, é o espa­ço dos direitos, deveres e seus atributos: o civismo, a solidariedade, a justiça, o desenvolvimento, a liberdade, a ordem, a democracia, a autoridade, a cultura, a soberania e a cidadania.

    E o que vemos na paisagem? Milhões de brasileiros, em seus espaços, mais se assemelham a incrusta­ções de conchas em rochedos brutos, assolados por tempestades e fu­racões. É o desemprego em massa; são as doenças, algumas de séculos passados, que nos assolam, e outras, de nomes estranhos que aqui aportam trazendo medo; é a autoridade máxima que convoca o povo a atirar pedras nas instituições, incentivando a batalhas nas ruas; são as nossas Forças Armadas, que se recolhem ao silêncio em vez de proclamar sua crença na ordem democrática; são xingamentos em cadeia contra meios de comunicação e jornalistas, alguns recheados de baixo calão.

    A esperança vira um pontinho aceso nos céus.

    Não por acaso, o clima de faroeste transpira violência, aqui e ali, com estranhas armas (empilhadeiras, por exemplo), e  cowboys exibindo suas cartucheiras cheinhas de balas, alguns com o selo de milicianos pregados na testa. Onde já se viu, gente de Deus, policiais fazendo motim?

    Não por acaso, a poeira tórrida do território vai obnubilando o desenho de civismo que habita a Pátria, esse sonho que teima em permanecer na consciência dos homens de bem.

    E assim o país vai se locupletando de Demócritos, apesar da imensa carência de Heráclitos.  

    Quem ouviu, nos últimos tempos, um grito de “Viva o Congres­so”? Mas é ali que vicejam as condições para a grandeza da Nação. Quem acha que os impostos e tributos estão diminuindo? O que se ouve, com certa intensidade, é uma voz cavernosa que promete a ressurreição de malfadada CPMF. A obsoleta legislação trabalhista da era getulista até foi mudada, mas há guerreiros da maldade que teimam em querê-la de volta.

    Quem acredita que a violência está diminuindo? O Ceará até parece um abatedouro de pessoas. Alguém acha que professo­res e alunos estão satisfeitos com as condições de ensino ou com a gestão de um ministro que passa o tempo azucrinando quem não concorda com suas extravagâncias? Que felizar­do consegue encontrar uma bandeira brasileira para adquirir antes da bandeira de qualquer grande time de futebol? Quem acha que o PIBF – Produto Interno Bruto da Felicidade – está crescendo?

    O tom do mundo, escreveu Montesquieu em Meus Pensamentos, consiste muito em falar de bagatelas como se fossem coisas sérias, e de coisas sérias como se fossem bagatelas. Pois é, quantas autoridades não fazem essa inversão, tentando amaciar o cotidiano com pitadas de riso, mesmo que a estação do ano seja repleta de dor e angústia? Tem muita gente debochando com coisas sérias da política, inclusive gente estrelada.

    Será que o interesse comum, em nossas plagas, não passa de abstração?  Que saudades dos tempos bucólicos, aqueles idos em que homens, simples em seus costumes e firmes nas crenças, cultivavam a solidariedade, as lem­branças dos antepassados, o amor paternal, o amor filial, o respeito aos mais velhos, enfim, uma bagagem de vida descomplicada que proporcionava aos cida­dãos certa doçura de viver. Hoje, vivemos sob o signo da radicalização, das ameaças e do medo.

    Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação – Twitter@gaudtorquato

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    Governo de SP prepara lei que estabelece distritos turísticos

    Texto será enviado à Assembleia Legislativa nos próximos dias; Itupeva, Jundiaí, Louveira e Vinhedo devem ser as primeiras cidades beneficiadas

    O Governador João Doria e o Secretário de Turismo Vinicius Lummertz assinaram nesta quarta-feira (6), em Itupeva, autorização para uma nova lei que estabelece distritos turísticos no estado de São Paulo.

    O texto será enviado nos próximos dias à Assembleia Legislativa e, se aprovado, permitirá a criação do distrito da região da Serra Azul, que reúne os municípios de Itupeva, Jundiaí, Louveira e Vinhedo.

    “O Governo de São Paulo leva a sério a atividade do turismo. Em 2019, aumentamos em 7% o movimento turístico no estado. Tínhamos somente quatro aeroportos regionais com voos regulares. Hoje são 16, com 706 novos voos semanais. Isso é fruto do programa São Paulo Pra Todos, o maior exemplo de desenvolvimento turístico do Brasil neste momento”, declarou o Governador.

    A região de Itupeva recebe aproximadamente 10 milhões de visitantes por ano. As principais atrações são os parques Hopi Hari, Wet n’ Wild e os shoppings Outlet Premium e Serra Azul. A expectativa é que esse movimento dobre quando a região virar um distrito.

    “A região de Itupeva já é um distrito de fato, mas ainda não tem uma organização nesse sentido. É preciso ordenar para permitir que os empreendimentos venham. Teremos aqui um polo mundial de turismo na prática”, disse o Secretário Lummertz. “Temos outras regiões de grande potencial, como o Vale do Ribeira, por sua vocação para o ecoturismo”, acrescentou.

    Os distritos serão áreas delimitadas de acordo com o potencial turístico de cada região. A avaliação do Governo do Estado levará em conta atributos naturais, relevância histórica, e presença de complexos de lazer, parques temáticos e orla marítima.

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    Porandubas Políticas – Por Gaudêncio Torquato – 30/01/2020

    quarta-feira, 30 de janeiro de 2020

    Abro a coluna com o folclórico paraibano, Zeca Boca de Bacia.

    Zeca I

    Zeca Boca de Bacia fazia a alegria do povo em Campina Grande/PB. Personagem folclórico, amigo de políticos. Dava assessoria informal a Ronaldo Cunha Lima e a seu filho Cássio, prestes a ganhar o mandato de senador. Quando Zeca abria a boca, a galera caía na risada. Certa vez, numa de suas internações na clínica Santa Clara, em Campina Grande, a enfermeira foi logo perguntando:

    – Zeca, qual o seu plano (de saúde)?

    E ele:

    – Ficar bom!

    Outra vez, Zeca pegou um táxi em Brasília para ir à casa de Ronaldo Cunha Lima. Em frente à casa do poeta, o taxista cobrou R$ 15. Zeca só tinha R$ 10. Sem acordo, disparou:

    – Então, amigo, dê cinco reais de ré!

    Mais Zeca

    Em João Pessoa, num restaurante chique, Zeca pediu um bode assado. O garçom retrucou:

    – Desculpe-me, senhor, aqui só servimos frutos do mar.

    Zeca emendou sem dar tempo:

    – Então me traz uma água de coco.

    Muita gente matada

    O Estado de Minas Gerais anda pagando um preço alto demais por um pecado que não se sabe qual. Em parte, talvez, pela riqueza de seu solo, que não deveria ser pecado, mas virtude, se tratada com respeito. O fato é que nenhum povo merece tal castigo, como a sequência de tragédias a que o Estado vem sendo submetido desde o rompimento da barragem de Mariana, em 2015. Morreram 19 pessoas. Depois, Brumadinho, com 270 mortos e onze pessoas ainda desaparecidas. Neste começo de ano, o maior índice de chuvas em toda a história da Grande BH. São contados até agora 56 mortes e milhares de desalojados e desabrigados. “Minas não há mais”, dizia Carlos Drummond de Andrade.

    Não para de morrer gente

    E até a cerveja entrou na lista macabra dos mineiros: quatro pessoas morreram e 21 estão infectadas pela substância dietilenoglicol, encontrada em amostras da cerveja Belorizontina e outros produtos da cervejaria Backer, que se diz artesanal. Como desgraça pouca é bobagem, a doença que hoje ameaça o mundo, o coronavírus, parece ter entrado no Brasil pela porta de Minas, com uma estudante de 22 anos de Belo Horizonte que veio da China, exatamente da cidade de Wuhan, de onde o vírus se espalhou. Há mais dois casos suspeitos no Brasil, em Curitiba e Porto Alegre. E então, no meio de tanta tragédia, cabe a frase do mineiro Guimarães Rosa em seu “Grande Sertão: Veredas“: “Um dia ainda entra em desuso matar gente”.

    O inferno de Bolsonaro

    Depois de atacar adversários, de levar ao extremo a polarização política, de esbravejar contra a imprensa e a todos os de bom senso que não elevam seu governo ao pedestal – e sem nenhuma elegância ou respeito à liturgia do cargo -, o presidente Jair Bolsonaro enfrenta agora seus próprios fantasmas.

    Caso 1: Enem

    Ainda é um mistério o que ocorreu com o Enem. O fato é que houve erro, e grave. Tanto que, em razão das falhas na correção das provas, a Justiça mandou suspender e depois liberou a divulgação do resultado do Sisu, sistema em que o estudante concorre a vagas em universidades públicas com a nota do Enem. Bolsonaro disse que o governo vai apurar se houve um erro de gestão, falha humana ou sabotagem na correção da prova: “Tenho que conversar com ele [ministro da Educação, Abraham Weintraub] para ver o que está acontecendo. Se realmente foi uma falha nossa, se tem alguma falha humana, sabotagem… Seja lá o que for. Temos que chegar no final da linha e apurar isso daí“. Quando as provas do Enem 2019 se encerraram, o ministro Abraham Weintraub declarou em rede nacional: “Foi o melhor Enem de todos os tempos“.

    Caso 2: BNDES

    O governo anterior havia tentado abrir a tão falada caixa-preta do BNDES ao contratar uma auditoria ao custo de R$ 16 milhões. Não deu em muito. Bolsonaro insistiu no assunto. Nova auditoria e o custo passou a R$ 48 milhões por causa de dois aditivos, um deles assinado pelo atual presidente do banco, Gustavo Montezano, 39 anos, amigo dos filhos do presidente. Comentário de Bolsonaro: “Tem coisa esquisita aí. Parece que alguém quis raspar o tacho… É o garoto lá, foi o garoto, porque, conheço por coincidência desde pequeno, o presidente do BNDES é um jovem bem intencionado… A ordem é não passar a mão na cabeça de ninguém“. O fato é que a caixa-preta do BNDES parece virar caixa-preta do governo Bolsonaro.

    Caso 3: Mordomia em casa

    Dessa vez o presidente agiu rápido e demitiu Vicente Santini, ministro interino da Casa Civil da Presidência. O titular Onyx Lorenzoni está de férias. Mas mandou dizer que o subordinado usou legalmente portaria regulamentando viagens. Santini usou um avião da FAB (Força Aérea Brasileira) sem o consentimento da Presidência da República para ir à Suíça, onde participou do Fórum Econômico Mundial, e depois para a Índia, onde integrou comitiva do presidente. Custo aproximado de R$ 740 mil. Bolsonaro criticou Santini e classificou sua atitude como “imoral” e “inadmissível”. Na condição de chefe interino da Casa Civil, o subordinado foi o único a viajar em aeronave oficial. As demais autoridades utilizaram companhias aéreas comerciais. Santini também é da turma dos filhos do presidente.

    Caso 4: A mão na cabeça

    “Não passar a mão na cabeça de ninguém” foi a frase do presidente ao analisar o caso BNDES. O jeito de tirar a caixa-preta ou o bode dali é afastar o “garoto” amigo da família. Mas, por mais que Bolsonaro pareça intransigente com traquinagens de integrantes de seu governo – como na demissão do secretário da Cultura, Roberto Alvim, patético imitador de Joseph Goebbels -, o presidente tem sido bastante leniente com alguns dos seus.

    Caso 5: Os bichos desiguais

    Por exemplo, com Abraham Weintraub, o arrogante ministro da Educação, área em que o governo tem sido considerado um desastre, fora o Enem. E com o ministro do Turismo, Álvaro Ângelo Antônio, indiciado pela Polícia Federal e denunciado pelo Ministério Público de Minas Gerais sob acusação de comandar o laranjal mineiro. Como se percebe, “os animais são todos iguais, mas uns são mais iguais que outros”, como dizia George Orwell em seu “A Revolução dos Bichos”.

    Guedes, altos e baixos

    Paulo Guedes, do alto suas qualidades como economista, professor e comandante de uma boa equipe técnica no Ministério da Economia, comete pecadilhos, só explicáveis à luz da afobação. A declaração que deu em Davos, ao jogar a devastação na floresta como necessidade de sobrevivência dos pobres, em vez de convencer, mexeu negativamente na cabeça dos investidores. Quem lá esteve cochichou no ouvido deste consultor: “foi um zum-zum geral nos corredores e momentos de descontração. Todos balançando a cabeça em gesto de desaprovação”.

    Campanha antecipada

    Incrível, porém verdadeiro. A campanha de 2022 ganha mais conversa do que o pleito de outubro próximo. Na mesa, o assunto de sempre: quem Bolsonaro vai enfrentar? Moro? Ou este acabará indo para o STF? Se não for indicado, será candidato. (Nove entre dez apostam nessa alternativa). Bolsonaro teria essa saída, para escapar de um confronto com o mais admirado ministro, ou, ainda, escolher o ex-juiz como vice em sua chapa. Essa segunda alternativa amedronta todos os campos, ou seja, os outros pré-candidatos rezam para que isso não ocorra. Por isso, a fofocagem tende a aumentar para azedar as relações entre chefe e subordinado.

    Bruno sobe

    O brasileiro é solidário, sim, com quem enfrenta grandes dissabores, principalmente aqueles com marca de doenças que ameaçam a vida. Bruno Covas era um até pouco tempo e virou outro. Pois bem, a disposição do neto de Covas de enfrentar o câncer deu a ele uma nova face. Sorridente, enfrenta a doença com disposição e garra. Não dá ideia de abatimento, recuo, medo, sofrimento. Bruno passou a ganhar solidariedade do paulistano. Pesquisas mostram uma boa subida nos índices. É franco favorito como candidato à reeleição.

    Efeito cascata

    Pois é, confirma-se, a cada dia, a hipótese: um espirro na China tem reflexos em todo o mundo. O tal coronavírus já chegou em quase 20 países. O mundo não tem fronteiras para sustar o efeito cascata de vírus, bactérias, gripes e fenômenos que assolam, periodicamente, a Humanidade. Há quem jogue esses males que matam milhões na conta do equilíbrio do planeta. Arre….há cada teoria estapafúrdia…

    Decalagem?

    Perguntinha marota: o que é um governo que dá resultados?

    Resposta: é aquele com aptidão para prever problemas e antecipar soluções. Usa a técnica da “decalagem” (avanço), a capacidade do atirador de calcular a distância e a trajetória do alvo móvel, acertando-o em cheio ao disparar um pouco a frente do ponto escolhido. Mas a ausência de planejamento se faz ver em toda a parte. Os fatos de hoje se repetiram no passado e se multiplicarão no amanhã. Um eterno retorno, ou, se preferirem, um eterno recomeço. Convite ao leitor: faça uma análise de alguns governos: estão avançando ou em retrocesso?

    Alavancas do discurso

    Nesse ano eleitoral, muitas perguntas ficarão no ar. Uma delas: como ajustar o discurso para atender ao espírito do tempo? A ciência política sugere mexer com quatro alavancas. Ou seja, existem alguns símbolos detonadores e indutores do entusiasmo das massas em, pelo menos, quatro categorias.

    Adesão

    Discurso voltado para fazer com que a população aceite os programas, associando-se a valores considerados bons. Nesse caso, o candidato precisa demonstrar a relação custo-benefício da proposta ou da promessa.

    Rejeição

    Discurso voltado para o combate a coisas ruins (administrações passadas, por exemplo). Aqui, o candidato passa a combater as mazelas de seus adversários, os pontos fracos das administrações, utilizando, para tanto, as denúncias dos meios de comunicação que funcionam como elemento de comprovação do discurso.

    Autoridade

    Abordagem em que o candidato usa a voz da experiência, do conhecimento, da autoridade, para procurar convencer. Sob essa abordagem, entram em questão os valores inerentes à personalidade do ator, suas qualidades pessoais. Quando se trata de figura de alta respeitabilidade, o discurso consegue muita eficácia.

    Conformizãção

    Abordagem orientada para ganhar as massas e que usa, basicamente, os símbolos da unidade, do ideal coletivo, do apelo à solidariedade. É quando o político apela para o sentimento de integração das massas, a solidariedade grupal, o companheirismo, as demandas sociais homogêneas.

    Fecho a coluna com Einstein.

    A minha beleza

    Certa vez, Einstein recebeu uma carta da Miss New Orleans onde dizia a ele:

    Prof. Einstein, gostaria de ter um filho com o senhor. A minha justificativa se baseia no fato de que eu, como modelo de beleza, teria um filho com o senhor e, certamente, o garoto teria a minha beleza e a sua inteligência“.

    Einstein respondeu:

    Querida miss New Orleans, o meu receio é que o nosso filho tenha a sua inteligência e a minha beleza“.

    Livro Porandubas Políticas

    A partir das colunas recheadas de humor para uma obra consagrada com a experiência do jornalista Gaudêncio Torquato.

    Em forma editorial, o livro “Porandubas Políticas” apresenta saborosas narrativas folclóricas do mundo político acrescidas de valiosas dicas de marketing eleitoral.

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    JUDICIÁRIO SOB TIROTEIO GAUDÊNCIO TORQUATO

    A arquitetura dos Poderes no Brasil apresenta fissuras, comprometendo os princípios de autonomia, harmonia e independência, conforme reza a letra constitucional. Ora, é o Poder Executivo, que costumeiramente invade a seara do Legislativo, por meio de uma grande quantidade de Medidas Provisórias, sem caráter de urgência, conforme elas exigem; ora é o Poder Legislativo, que deixa imenso vácuo ao não aprovar legislação infraconstitucional para fechar os buracos abertos pela CF de 88.

       E nesse vácuo entra o Poder Judiciário, ao qual são submetidas questões de natureza constitucional não resolvidas por lei. Uma onda crítica bate nas portas da Suprema Corte, agora acusada de invadir a roça do Poder Legislativo, dando vazão ao conceito de judiocracia, democracia plasmada sob o jugo dos aplicadores da lei. Fosse essa apenas a mancha que suja as vestes de Thêmis, a deusa da Justiça, os danos que têm abalado seriamente a imagem do Judiciário, a partir da mais alta Corte, não seriam tão graves.

       A artilharia pesada que tem o STF como alvo deve-se, sobretudo, à suspeição sobre o comportamento de alguns ilustres componentes da Corte, identificados como soldados de causas partidárias ou simpatizantes de A, B ou C, figuras que os escolheram quando governavam o país. Ademais, nos Estados, membros de instâncias judiciais, alguns de altas posições, têm sido envolvidos com suspeita de favorecimentos. 

       Nunca se viu o poder dos juízes tão abalado por críticas. A constatação é grave. Afinal de contas, trata-se do Poder mais identificado com a virtude da moral. Representa o altar mais elevado e nobre da verdade e da justiça. Acusações, mesmo isoladas, atingindo um ou outro de seus pares, acabam maculando a imagem da instituição. Até se compreende que parcela da indignação acumulada no país nesses tempos de polarização política se dirige ao Judiciário. Mas devemos reconhecer que sua imagem apequenada constitui um dos maiores danos à alma nacional.

       Sob esse contexto, é oportuno levantar a ideia, tão debatida, de rever os critérios de nomeação de ministros do Supremo e dos Tribunais de Justiça. Nossa maior Corte não tem juiz de carreira, eis que seus membros são escolhidos pelo presidente da República e, mesmo com seus méritos, são jogados na vala do viés partidário.

       Urge puxar das gavetas do Congresso projetos que versam sobre a matéria. Alguns já são conhecidos, como aquele que sugere a nomeação de quadros por instituições como o próprio Poder Judiciário, o Congresso, a OAB, o MP e o Presidente da República. É evidente que uma escolha, a partir do envolvimento de entidades sérias e Poderes constituídos, terá caráter plural, ganhando maior legitimidade e respeito da sociedade.

       Essa visão, que valoriza os eixos de nossa democracia participativa, seria aplicada também nos Estados, fazendo-se a adaptação para as instituições locais.

       O fato é que nenhuma autoridade, por mais alta, pode se escudar no manto sagrado do cargo.  O Judiciário é o mais respeitado dos Poderes, seja pela identidade de seus integrantes,  seja pela nobreza de suas funções.

       É triste constatar que a figura do juiz em nosso País não se cerca mais daquela aura sagrada que tanto reverência impunha no passado. Em tempos idos, cultivava-se admiração por eles. Os juízes assumiam na plenitude os traços nobres, que Bacon tão bem descreveu em seus ensaios: “os juízes devem ser mais instruídos do que sutis, mais reverendos do que aclamados, mais circunspetos do que audaciosos. Acima de todas as coisas, a integridade é a virtude que na função os caracteriza.”

       O juiz  ainda  tem  de  enfrentar  um  calvário  particular, a via crucis da crise no seu espaço profissional, determinada pelos dilemas impostos pelo caráter dual do Estado brasileiro.   De um lado, o Estado liberal, fincado nas bases do equilíbrio entre os Poderes, no império do direito e das garantias individuais. De outro, o Estado assistencial, de caráter providencial, voltado para a expansão dos direitos sociais, ajustados e revigorados pela Constituição de 88.  Os resultados vão bater em sua mesa: enxurradas de demandas crescentes e repetitivas em questões de toda a ordem.

       Chegou a hora da verdade para os Tribunais. O juiz deve ser, por excelência, o protótipo das virtudes.

    Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação – Twitter@gaudtorquato

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