Porandubas Políticas | Por Gaudêncio Torquato – 09/12/2020
Quarta-feira, 09 de dezembro de 2020
Abro a coluna com um “causo” da Paraíba.
Cancelo chuvas
A seca era medonha. A Paraíba em desespero, o governador aflito. Um dia, caiu uma chuva fininha no município de Monteiro. Inácio Feitosa, o prefeito, correu ao telégrafo: “Governador José Américo: chuvas torrenciais cobriram todo município de Monteiro. População exultante: Saudações, Feitosa”. Os comerciantes da cidade, quando souberam do telegrama, ficaram desesperados. O município não ia mais receber ajuda. Ainda mais porque a mensagem era falsa e apressada. Feitosa correu de novo ao telégrafo: “Governador José Américo: cancelo chuvas. População continua aflita. Feitosa, prefeito”.
Sangue, trabalho, suor e lágrimas
“Espero que meus amigos e colegas, ou colegas de outrora, que tenham sido afetados pela reconstrução política, sejam tolerantes e me desculpem por qualquer falta de cerimônia na maneira por que fui compelido a agir. Eu diria a esta Casa, como disse àqueles que passaram a formar este governo: – Eu nada mais tenho a oferecer senão sangue, trabalho, suor e lágrimas“. (Winston Churchill)
Um olhar na paisagem
Um olhar na paisagem política nacional é como contemplar as nuvens. Ora, vemos caras de bichos, ora vemos feições de pessoas, principalmente velhos de barba. As imagens mudam a cada instante. Na semana passada, por exemplo, víamos as caras de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre sentados às mesas das presidências da Câmara e do Senado, respectivamente. Hoje estamos vendo as cadeiras presidenciais vazias, sem ocupantes. Víamos Bolsonaro abraçando efusivamente Alcolumbre pela vitória no Senado e hoje vemos o presidente de cara fechada, preocupado. O que tem acontecido nos horizontes da política?
STF sob pressão da OP
Corria a impressão de que nossa mais alta Corte iria acabar aprovando a possibilidade de Maia e Alcolumbre tentarem a reeleição em fevereiro, abrindo uma fissura na CF de 88. O ministro Gilmar deu parecer nesse sentido, permitindo a continuidade de reeleições subsequentes na mesma legislatura e estabelecendo uma proibição apenas em 2023. Parecia que as articulações já estariam fechadas com outros ministros, inclusive sob a versão corrente de que o voto do presidente Fux seria a favor. A mídia caiu de pau na continuidade. Juristas fizeram chover críticas. Resultado. Ministros mudaram de posição. E o voto contrário venceu.
O jurista fala
A Carta Constitucional é clara, como lembra o jurista Walter Maierovitch: É vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição subsequente. E aduz o grande jurista: “como ensinavam os pretores romanos – in claris cessat interpretatio. Na democracia, como revela seu étimo, o comando é do povo e se exerce por meio de seus representantes. Ministros do STF são representantes do povo, não têm poder próprio, mas outorgados pelos cidadãos. No Brasil, ministro da alta Corte tem de ser guardião da Constituição e não pode fazer acrobacias jurídicas para atender interesses pessoais, políticos, conjunturais“.
Placar final
E a situação ficou assim.
Sobre uma eventual reeleição de Rodrigo Maia:
7 votos contra: Nunes Marques, Marco Aurélio, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Luis Roberto Barroso, Edson Fachin e Luiz Fux.
4 votos a favor: Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski.
Sobre uma eventual reeleição de Davi Alcolumbre:
6 votos contra: Marco Aurélio, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Luis Roberto Barroso, Edson Fachin e Luiz Fux.
5 votos a favor: Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski.
E agora?
Agora, os efeitos começarão a ser sentidos. No Supremo, a divisão vai impactar a gestão do presidente Luiz Fux. Dois grupos acentuarão visões contrárias. Vai sobrar para Fux, que terá que se desdobrar para harmonizar as alas em confronto. Na Câmara, Rodrigo Maia terá de fazer esforço extraordinário para eleger seu sucessor. No Senado, idem. Alcolumbre não vai querer ser derrotado com seu candidato. Afasta-se do Palácio do Planalto. As posições começam a ser negociadas. Antes do recesso parlamentar de fim de ano, o jogo estará iniciado com a bola rolando no campo.
Na Câmara
Arthur Lira é o candidato de Bolsonaro. É o líder informal do PP. Mas, nas últimas semanas, teve seu nome envolvido em denúncias de “rachadinha” na época em que era deputado estadual em Alagoas. O processo foi arquivado por falta de provas. Mas com a recorrência do MP, prevê-se a continuidade do caso nas Cortes Superiores. Portanto, Lira exibe essa mancha na imagem. Aguinaldo Ribeiro, do PP-PB, é o líder formal do partido. E conserva boa amizade com Maia. Não teria estofo, porém, para arrebanhar a maioria de seu partido. Há Elmar Nascimento, do DEM-BA, também sem grandes apoios. Emerge nesse cenário a figura de Baleia Rossi, MDB-SP, amigo de Maia, e com o desafio de conquistar apoios do PSDB, DEM, PSD, PSB, PDT e outros. Por último, o pastor Marcos Pereira, atual vice-presidente da Câmara e presidente do PR. Ligado à Igreja Universal.
No Senado
Dois Eduardos, Gomes (MDB-TO), Braga (MDB-AM), o primeiro sendo líder do governo no Senado, estão na lista, onde figura, ainda, o nome da respeitada senadora Simone Tebet, MDB-MT, que comanda a importante CCJ. Fala-se, ainda, no nome do senador Espiridião Amin, PP-SC, que tem muita experiência. O jogo no Senado parece mais fácil de ganhar do que o da Câmara. Assim pensa o governo. Desde já, as moedas de troca – ministérios e cargos – são mostradas.
Mineirinhas
Frases de Augusto Zenun, de Campestre, sul de Minas – político, industrial, filósofo e, antes de tudo, udenista ortodoxo da linha bilaqueana (Bilac Pinto, o Bilacão, seu dileto amigo). Sempre infernizou a vida de seus adversários, com as suas atitudes destemidas e sua natural mineirice.
“Quando estamos no governo, todo adversário que quer se encaixar diz ser técnico“.
“O preço do voto de um eleitor mentiroso é sempre o mais caro“.
“Há um fato na política que a torna bastante interessante: o choque dos falsos políticos com os políticos falsos“.
“Político é dividido em duas partes. Uma trabalha para ser eleito. A outra trabalha para conseguir um cargo público se for derrotado“.
“Muita campanha eleitoral se parece com sauna: depois do calorão vem uma ducha fria“.
(Pinçadas de A Mineirice, de José Flávio Abelha)
A guerra das vacinas
O governo Federal ainda não possui um plano estratégico para a vacinação em massa da população brasileira. E, olhem lá, o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, é um especialista em logística. Portanto, não é por falta de conhecimento que a administração resvala por esse terreno. É mesmo falta de rumo, politiquice, politização da vacina. Ficar apenas com três vacinas é muito pouco, quando deverão estar disponíveis depois da fase 3 pelo menos umas 10 vacinas. A vacina da Pfizer seria a quarta.
Em janeiro
João Doria, governador de SP, anuncia para 25 de janeiro o início da vacinação em SP, com 10 milhões de doses, caso a Anvisa acolha a qualidade técnica e dê sua autorização para uso da Coronavac, o remédio chinês. Mas a Anvisa soltou nota: só liberará após avaliar os resultados da fase 3. Doria, em caso de grande atraso pela agência, irá bater nas portas do Supremo. O fato é que o governador de São Paulo marcou um gol de placa. No mesmo dia do anúncio do Doria, o presidente e a primeira dama, Michelle, em evento prestigiado, fizeram o lançamento das vestimentas que os dois usaram na posse. Coisa de Odorico Paraguaçu na cidade de Sucupira.
Filas, fura-filas, confusão
A projeção é natural: haverá confusão na vacinação. Filas enormes serão formadas, outros vão tentar furar a fila, enquanto alguns mais atrevidos até podem provocar deliberadamente bagunça. O processo de vacinação vai despertar os ânimos já nervosos de protagonistas. E se habitantes de alguns Estados quiserem se vacinar em outro? Em São Paulo, pelo que se sabe, vacinar quem aqui estiver e quiser será permitido. Veremos uma guerra de verbos e advérbios entre os lutadores da arena política.
Climão pesado
Pois bem, a partir da pequena leitura que fazemos sobre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, podemos contemplar as nuvens plúmbeas que escurecem os horizontes. A inflação dá sinais de retomada. O governo é uma orquestra desafinada. O maestro não domina todos os instrumentos e com sua varinha, não dá equilíbrio aos metais, às cordas e aos tambores. Com exceção de três ou quatro, os ministros não apresentam resultados. O cobertor social ameaça encurtar. A infraestrutura, grande esperança no início, fraqueja. O final de ano será pesadão. Papais Noéis virtuais sinalizam um tempo meio frio. De poucas alegrias.
Aglomeração
Mesmo assim, não se pense em duro isolamento social neste fim de ano. As aglomerações vão ocorrer. A 25 de março em São Paulo que o diga. Lembra uma Torre de Babel ou um corredor da pandemia.
A era do rancor
Aqui, ali e acolá, o rancor brota. Como semente de um tempo regado pela descrença na política, quebra de valores do passado – o respeito, a disciplina, a força da palavra dada, a honestidade, o zelo, a modéstia, a humildade, a Justiça. Será que começamos a vivenciar o “paradigma do caos”, criação do professor Samuel P. Huntington?
A forca mais alta
“Canuto, Rei dos Vândalos, mandando justiçar uma quadrilha, e pondo um deles embargos de que era parente del-Rei, respondeu: Pois se provar ser nosso parente razão é que lhe façam a forca mais alta.” Padre Manuel Bernardesc
Fecho a coluna com uma historinha do Geraldo Alckmin.
“Me ajude, governador”
Geraldo Alckmin é um colecionador de “causos”. Quando o encontro, ouço a pergunta: “E as Porandubas?”. Alckmin é leitor assíduo da coluna. E tem muitas historinhas para contar. Vejam esta.
Um prefeito chega ao governador, e, sem mais delongas, expressa sua angústia:
– Governador, pelo amor de Deus, me ajude, me ajude, me socorra! Estou perdido!
– Por que tanta aflição, prefeito, afinal você está apenas no meio do mandato. Há dois anos, ainda, pela frente.
O prefeito, cochichando no ouvido do governador, em tom de confessionário, conta o motivo:
– Governador, eu exagerei. Prometi demais, governador. Muito mais do que podia cumprir. E hoje, estou apertado por todos os lados. Não tenho condição de pleitear um novo mandato. Me ajude, governador, me socorra!
Alckmin abriu os braços, balançou a cabeça em sinal de dúvida. Mas não teve coragem para dizer: “quem pariu Mateus que o embale”. Preferiu abrir uma ruidosa gargalhada.
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