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POETICAMENTE SELVAGEM NORONHA

Se Macondo ficasse à beira do mar, e não de um rio, Fernando de Noronha seria a terra descrita por Gabriel García Márquez. Isso porque, como já diria o próprio colombiano, Macondo não é um lugar, mas sim um estado de espírito que permite a cada um ver o que quer ver e como quer. E, no arquipélago pernambucano, qualquer variação é vã. Só se vê beleza. Selvagem, abundante. Diferentemente do título do livro em que Macondo se cria, dos Cem Anos de Solidão, embora ilhados, em Noronha, os visitantes nunca ficam sós. Instantaneamente são inebriados pela envolvente companhia do barulho das ondas a bater nas rochas vulcânicas, da brisa leve vinda do Atlântico e do olhar curioso das mabuias – os simpáticos répteis nativos da ilha – sempre a acompanhar.

Ali, no meio do nada, surge de tudo: aeroporto, restaurantes, pousadas. Estabelecimentos que se integram ao ambiente de forma rústica e que transformam sofisticação em aconchego. É o simples revestido de qualidade. Fernando de Noronha traz a alta gastronomia dos grandes centros com o entusiasmo de moradores dispostos a levar ao turista o sabor extra de um atendimento com o padrão de quem é especialista em acolher. A empatia brota antes mesmo de saborear os pratos, de desfrutar do conforto da cama da pousada ou de ver as cores que os cenários entregam aos visitantes.

Caminhando por entre as trilhas que levam a paisagens desenhadas por contornos irregulares, sobreposição de tons de azul e verde e movimentos distintos do desenrolar das ondas sobre o mar que entretém os pássaros a sobrevoar os cardumes, a alma se camufla nesse universo, quase imaginário, e a mente esquece dos quinhentos quilômetros que separam a costa das ilhas.

Dois irmãos: cartão postal da ilha.

A coloração das rochas denuncia o passado. Negras, revelam o vulcão que já existiu e está extinto há milhares de anos. Os picos feitos de linhas a ligar o alto à terra ou ao mar indicam os desvios do destino ao usar o oceano para encobrir a cadeia de montanhas. Ou, parte delas. O arquipélago é feito de 21 ilhas, ilhotas e rochedos. Vinte e seis quilômetros quadrados de natureza, dezessete deles, habitados, o restante praticamente intacto.

Das subdivisões que a ilha pressupõe, algumas são geográficas, fáceis de compreender, como o mar de dentro – voltado para o Brasil – e o mar de fora, virado para o continente africano. Outras, um pouco mais complexas, tal qual a linha invisível que distingue a APA (área de preservação ambiental) da área do PARNAMAR (Parque Nacional Marinho). Sobre esse traço que não se vê, essencial é saber que todo o arquipélago é envolto por cuidados, preocupações e estudos ambientais. Por isso, transitar por aqui demanda o pagamento de duas taxas: a TPA (taxa de preservação ambiental), equivalente a 70 reais por dia + o ingresso do parque, que custa 97 reais para brasileiros e 195 reais para estrangeiros – esse ingresso resulta na emissão de uma carteirinha, válida por 10 dias. (Confira a tabela da TPA e as instruções para pagamento online AQUI e os pontos de venda do ingresso do parque neste LINK).

Outra divisão, a demográfica, é particularmente curiosa e interessante para quem decide onde se hospedar. A ilha é feita de Vila dos Remédios, onde está concentrado o comércio, os prédios históricos e a praia do cachorro – a mais urbana das praias urbanas da ilha -; Vila do Trinta, separada por uns 15 minutos de caminhada da Praça Flamboyant, referência por ser central; e Floresta Nova e Floresta Velha, também a uns 15 minutos de caminhada da praça, dependendo da localização da pousada. As especificidades da localização dão à hospedagem um toque sutil de personalização da experiência.

Independentemente da escolha, caminhar é preciso. Pisar no calçamento histórico da Vila dos Remédios rumo às praias ou ao Forte de Nossa Senhora dos Remédios é reviver uma história não tão distante. Fernando de Noronha foi avistada um pouco depois do restante do Brasil. Foi em 1503 que Américo Vespúcio desembarcou no paraíso. O território foi doado ao financiador da viagem exploratória, Fernão de Loronha – que rendeu ao conjunto de ilhas o nome pouco usual. Viveram no recanto ecológico também franceses e holandeses, além de presos comuns e políticos, que encontravam no isolamento a punição para as faltas.

Dado à recompensas pela curiosidade de quem se atreve a conhece-lo, o arquipélago, hoje, é convite ao contraditório sentimento de introspecção e interação. Um chamamento a olhar para dentro ao explorar as belezas de fora. A notar as pequenezas e grandezas nossas ao contemplar a vida marinha, a vegetação e a imensurável fortuna de um ecossistema feito para encantar.

Amábyle Sandri é apaixonada por natureza e por jornalismo literário. Autora do Blog Amabilices, sente imensa gratidão por poder compartilhar no Turismo em Pauta um pouco da paixão descrita em letras.