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Entenda a diferença entre Bem-estar Animal e o Direito Dos Animais

*Por Driele Lazzarini Malgueiro

São diversas as legislações nacionais e internacionais que protegem os animais. Para entender o funcionamento destas leis e sua eficácia, necessário se faz um aprofundamento na origem dos direitos dos animais, sejam eles domésticos ou domesticados, e como são enxergados pelo Direito Brasileiro.

O bem-estar animal é um estudo que engloba tanto o bem-estar físico, quanto mental do animal, ou seja, é um conhecimento que examina o bem-estar dos animais, levando em consideração o sentimento do animal e a sua perspectiva, e não a perspectiva humana.

Para isso, tal estudo possui três concepções: sentimentos, comportamentos, fisiologia e particularidades de sua vida natural. Para compreender essas concepções, são analisados todos os hábitos do animal, suas necessidades, medo, estresse, sofrimento, bem como limites de adaptação.

É analisado ainda, o contexto em que o animal se encontra, como por exemplo se é animal domesticado, animal de produção, animal em zoológico ou animal usado em laboratórios.

Feita tal análise, levando em conta diferentes circunstâncias, é possível concluir a condição de bem-estar em que o animal se encontra, assim como qual a ação necessária para conter ou findar com determinado sofrimento.

Embora a ciência não seja avançada o suficiente ao ponto de detectar os sentimentos mentais dos animais com precisão, a etologia, fisiologia, anatomia e cognição, são sinais que facilitam o entendimento do pensamento animal.

Outro enfoque que deve ser ponderado quando falamos em bem-estar animal é a ‘’natureza’’ animal, isto é, a liberdade dos animais de se comportarem de forma natural. Porém, esse é um ponto que não pode ser levado em consideração totalmente, uma vez que quando criados em ambientes que não sejam os naturais, podem não ter grande pertinência na análise do animal. Assim, o ideal é analisar a saúde e se está sendo respeitado seu livre arbítrio.

Além disso, para analisar todas as circunstâncias, há princípios que norteiam o tema bem-estar animal, especialmente o bem-estar daqueles animais que são utilizados com propósitos exploratórios. São dois os princípios: Princípio das Cinco Liberdades Essenciais aos Animais e Princípio dos 3Rs (Três Erres).

O Princípio das Cinco Liberdades significa, que todos os animais devem:

  • Ser livres de medo e estresse;
  • Ser livres de fome e sede;
  • Ser libres de desconforto;
  • Ser livre de dor e doenças; e
  • Ter liberdade para expressar seu comportamento natural.

O Princípio dos 3Rs é denominado dessa forma, em razão das iniciais em inglês de seus principais propósitos: Redução (Reduction), Refinamento (Refinement) e Substituição (Replacement).

Tal princípio se refere aos animais para experimentação em laboratórios, bem como resguarda-lhes os seguintes direitos:

1) Redução do número de animais utilizados;

  • Substituição por alternativas sem animais. Como por exemplo, robôs que simulam as cobaias; e
  • Refinamento – alterando protocolos de experiências para diminuição de dor e sofrimento.

Tais princípios são de suma importância, uma vez que são utilizados para fundamentar legislações específicas em países da União Europeia, acerca da proteção aos animais de produção e animais utilizados em laboratórios.

Assim, conclui-se que o bem-estar animal é uma ciência que leva em consideração as necessidades e sentimentos dos animais não somente na visão dos humanos, mas sobretudo na visão dos próprios animais, a fim de que seja preservada sua qualidade de vida em primeiro plano, inclusive no ramo de experimento em animais.

O Direito Moral esmera-se com o correto e incorreto, com o que é justo e o que é injusto. Assim, em virtude de todo animal sentir as mesmas necessidades que os seres humanos, como frio, fome, sede, calor, alegria, tristeza, dor etc., estes devem ser bem tratados, respeitados pelos humanos e protegidos, a fim de que tenham autonomia para seguirem sua natureza de forma totalmente livre.

Para que tais direitos sejam levados em consideração é necessária a criação de leis. Assim, o direito dos animais, é um conceito que reconhece que os animais devem ser livres de qualquer ação exploradora do homem, podendo viver com independência, e em outras palavras, escolherem para onde e quando querem ir, sem interferência humana.

Dessa forma, na medida que o bem-estar animal é uma ciência, o direito dos animais é um conjunto de leis que viabiliza a proteção animal.  À vista disso, o bem-estar animal complementa o direito dos animais e o direito dos animais complementa o bem-estar animal, de forma mútua.

Assim, ambos são estudos que objetivam alcançar o cenário ideal, onde o homem e o animal coexistam em harmonia.

Entretanto, fundamentar a existência dos direitos dos animais sempre foi tarefa árdua. Isso porque o animal não possui características semelhantes ao homem. Então, muitos acreditam que estes não possuem os mesmos direitos por não serem a espécie homo sapiens.

Contudo, o fato de dois seres vivos não possuírem semelhanças, não significa não merecem respeito, muito menos significa que uns são superiores aos outros.

Além disso, o que deve ser levado em consideração não são as semelhanças e nem as diferenças e sim as necessidades e interesses básicos dos animais, sendo a melhor maneira para se alcançar a igualdade de tratamento entre todos os seres vivos que habitam a Terra.

Um outro conceito, além do princípio da igualdade que fundamenta a existência dos direitos dos animais é a dignidade.  De acordo com o filósofo Immanuel Kant, o homem não vive para satisfazer vontades alheias, senão a sua própria vontade, tendo em si um valor soberano. Esse valor inerente ao ser humano, entende-se como dignidade.

Diante do cenário de maus-tratos e exploração dos animais, a dignidade dos não seres humanos deveria estar abrangida ao conceito de dignidade da pessoa humana prevista pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Nesse sentido, abre-se a perspectiva para uma nova visão. Acreditar na extensão do conceito de direitos humanos aos animais, não significa rebaixar e nem minimizar a espécie humana. Significa reconhecer que os animais não só possuem direitos, como também que os seres humanos são responsáveis em os garantir, bem como assegurar que todas as espécies existentes na Terra vivam de forma harmônica.

Reconhecido que os animais possuem direito a viver sem sofrimento e sem serem explorados pelo homem, se faz necessário o aprofundamento acerca da classificação dos animais como seres semoventes, com o intuito de melhor compreensão das leis que os protegem em nosso país.

O Código Civil não deixa expressamente entendido que os animais se encaixam na qualidade de bens suscetíveis de movimento próprio. Desprende-se que o fato do atual Código Civil Brasileiro classificar os animais como coisas, salienta uma concepção meramente material, ou seja, aparenta uma ideia de que são meros objetos pertencentes a um patrimônio qualquer, não lhes garantindo uma posição mais igualitária com os seres humanos.

Nesta perspectiva, atualmente tramita o Projeto de Lei do Senado nº 351, de 2015, o qual acrescenta o parágrafo único ao artigo 82 e o inciso IV ao artigo 83 do Código Civil, criando uma terceira categoria, além de bens e pessoas, ao determinar que os animais não sejam mais considerados coisas, denominada de a tutela dos animais. O projeto aguarda Deliberação na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados desde 2017.

A mudança, que teve como países precursores Suíça, Alemanha, Áustria e França, reconhece a dignidade aos animas ao deixar de lado uma visão ultrapassada e antropocentrista. Embora trate-se de um pequeno passo, se aprovada e sancionada, a mudança será um grande avanço no reconhecimento dos direitos e da proteção animal.

*Driele Lazzarini Malgueiro é advogada, especializada em fornecer às organizações assessoria jurídica e administrativa estratégica. Ela é pós-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Mestranda em Business Administration pela University Canada West e Membro das Comissão de Direito e Relações Internacionais da OAB Subseção Santos


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